O inspetor Fragoso Allas teve um papel fundamental na ação da polícia secreta portuguesa em África. A historiadora María José Tíscar retrata o homem de confiança do general Spínola no livro "A PIDE no Xadrez Africano".
Português do Alentejo e homem de grande confiança do general António de Spínola, o antigo inspetor António Fragoso Allas foi um dos responsáveis pela PIDE, a polícia secreta portuguesa, na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, como retrata a historiadora espanhola María José Tíscar no seu mais recente livro "A PIDE no Xadrez Africano - Conversas com o Inspetor Fragoso Allas", fruto de um amplo trabalho de investigação.
"Fui aos arquivos portugueses procurar quais eram os serviços que a diplomacia espanhola e o governo espanhol estavam a dar e descobri, por um lado, que vendiam armamento, que davam facilidades logísticas e cobertura diplomática no Egipto e na Tunísia e no Zaire", conta a professora.
O caso do Zaire (antigo nome da República Democrática do Congo) era o que tinha mais interesse porque era onde estava a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). "Espanha também tinha os seus atritos na cena internacional e também não podia permitir essa ajuda a Portugal e correr tantos riscos", explica María José Tíscar.
Entrevista Carlos Correia
As entrevistas feitas ao inspetor Fragoso Allas, ao longo de vários anos, permitiram à historiadora confrontar as testemunhas com os documentos que encontrou nos arquivos espanhóis. "Vi que os diplomatas espanhóis tinham grande interesse em que Portugal se abrisse mais ao comércio dos produtos espanhóis, pois uma das coisas com que negociavam era com as grandes ajudas que se estavam a prestar na guerra em África", conta.
O mais importante, refere a investigadora, era a preferência que o regime tinha quanto à presença da PIDE nas colónias portuguesas, como veículo de informação. "Porque podia atuar fora do território português, o que não podiam fazer os militares. Foi o que fez o inspetor Allas", exemplifica.
Outras vias de diálogo
E dessa forma podiam conseguir vias de diálogo. Exemplo disso foram as reuniões que António Fragoso Allas organizou entre Leopold Senghor, Presidente do Senegal, e o general português António de Spínola e as relações que tinha na altura com Mobutu Sese Seko no Zaire. "Tinham relações com chefes de Estados dos países vizinhos. Aí é importante a conexão com os serviços franceses", refere.
De acordo com a professora, foi mais que evidente o interesse dos serviços secretos franceses nas colónias portuguesas, uma vez que as colónias francesas tinham fronteiras com as colónias lusas.
"O Congo Brazaville é de todo o interesse da França e está ao pé de Angola. A Guiné-Conacri é do máximo interesse da França, até porque foi a única colónia africana que não aceitou a oferta do general Charles de Gaulle de ter uma autonomia numa comunidade francesa e preferiu a independência direta. A partir desse momento Sékou Touré foi um inimigo a abater", sublinha.
No Congo Brazaville aconteceu algo semelhante quando houve uma mudanca de governo com Massamba-Débat, "o primeiro depois de Marien Ngouabi, que já não seguia os interesses da França", lembra María José Tíscar.
Manter a PIDE nas colónias
A conclusão mais relevante, acrescenta, é a decisão de manter a PIDE nas colónias em África. "Quando no 25 de Abril, o general Costa Gomes e o general Spínola pedem para alterar o programa do MFA [Movimento das Forças Armadas], que a PIDE seja extinta na Metrópole, mas continue nas colónias enquanto continua a guerra, tem esse fundamento". A polícia secreta portuguesa não podia ser extinta imediatamente nas colónias "porque aí o seu labor de informação, o seu apoio nas informações era essencial", destaca a historiadora.
María José Tíscar considera que tanto a PIDE como África estão ainda vivas na sociedade portuguesa, embora tenham passado mais de 40 anos desde a revolução de 25 de Abril de 1974. A PIDE e a guerra em África, como escreve no seu livro, foram alvo de intensa luta política no então regime vigente. Este terá sido um dos períodos mais negros da História de Portugal, que ainda permanece na memória de muitos portugueses.
"Não há uma grande diferença entre o que são os passados negros de cada país. Portugal tem o seu passado negro como os Estados Unidos tem na guerra do Vietname. O que acho diferente é que em Portugal as pessoas falam com mais tranquilidade do que, por exemplo, os espanhóis ainda hoje falam sobre a guerra civil ou sobre a época do franquismo ou os franceses na Argélia", afirma.
Parte desta abordagem já aparece no livro "A Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra Colonial". "A PIDE no Xadrez Africano" é um desenvolvimento desta temática. A obra, lançada recentemente em Lisboa, está praticamente esgotada e a editora Colibri já prepara uma segunda edição.
María José Tíscar Santiago, licenciada em Filosofia e Letras e doutorada em História, trabalha atualmente nos arquivos franceses, mas voltará a Lisboa nos próximos meses, dando continuidade ao seu trabalho de investigação permanente para novas publicações porque "ainda há protagonistas que estão vivos."
DW – 11.01.2018