Cartas ao Presidente da República (81)
Bom dia, Presidente. Directo ao assunto: quem disse ao Governo da Frelimo que somos masoquistas? Esta pátria, com todo o cinismo, está a comer-nos à força. Está a fornicar-nos. Está a estuprar-nos. E não usa vaselina.
Sentimos dores. Não conseguimos sentar direito. A nossa culpa é por pertencermos à plebe? Será que estamos eternamente condenados a ser cervos da gleba?
Cada carta que lhe escrevo, Presidente, é como se fosse mais uma adaga que se me espeta. Dói muito, sobretudo quando reparo que o senhor, do alto do seu pedestal, olha para o nosso sofrimento com indiferença. Até troça.
Um barco à deriva, é o que se pode dizer do seu Governo, Presidente. O comandante é inexperiente, os marujos que lhe fazem companhia estão pouco se lixando se chega à terra firme ou não. Três anos de navegação sem rumo…
Qual é a prioridade do seu Governo, Presidente? De certeza que nem o senhor sabe. Não há foco. Não há nada. É só bater palmas quando nasce um novo dia.
Não existe futuro, não há esperança. São trevas.
Moçambique, com este Governo, é pior que as trevas de um condenado à morte.
Empurrar todo o fracasso da sua governação às costas das dívidas ocultas é eufemismo. É ser cego propositadamente. A verdade é que este País não tem Governo já lá vão três anos. Os que seguram o leme só querem saber do fandango, banquetearem-se às custas do sofrido povo.
Mentirem. Sodomizar o povo. Olhá-lo de soslaio como se fosse um cão lazarento. Volvidos cinco anos, chamá-lo de patrão para emprestar o seu voto. Merda de vida dos moçambicanos.
Desde o discurso inaugural, ali na praça da independência, o Presidente hibernou-se. Não se lhe conhece o paradeiro.
Suspeita-se- só há suspeita- de que esteja na Ponta Vermelha. O resto é deserto. Pior que o Sahara. Sol escaldante. Povo a ser assado gratuitamente como se fossem pássaros.
E eu não vou fugir do País.
Não vou abandonar o meu Moçambique. Vou arregaçar as mangas. Vou a luta. Nenhum tirano me irá escravizar eternamente. Ninguém mais me vai comer a seu bel-prazer. Chega de passividade. Chega de chorar.
Este Governo não respeita lágrimas de ninguém. Só quer saber do seu umbigo. Sei que a vencer. Aliás, se existe uma certeza é a de que vencerei.
Não posso mais hipotecar o futuro dos meus a abutres. Vou enxotá-los. Chega de sentir pena de mim mesmo. O meu futuro sou eu. Eu é que traço o meu caminho. Os escolhos devem ser por mim afastados.
Jamais me vergarei à vontade de quem quer que seja.
Acabo de rebentar os grilhões.
Sou livre. Quero voar.
Arranquei a minha carta de alforria. Não tenho mais nenhum senhor a quem servir.
Não tenho nome. Pode-me chamar de João, Zé, Paulo, Maria, Antónia…de povo.
Trago tatuado no corpo, milenares cicatrizes de ultraje, de fome, de miséria. Não vou chorar mais. Tornei-me insensível a dor. Secou-se-me a fonte donde brotavam-se-me as lágrimas. Estou calejado.
Quero lutar. Quero ver o meu Sol nascer.
Estou cansado desta vida imprestável. De nunca ter chegado ao cume de coisa alguma. Chega de viver sob o signo do quase. Quase um homem feliz. Quase um triunfo. Quase uma pessoa livre…quase tudo!
DN – 12.01.2018