XÍCARA DE CAFÉ por Salvador Raimundo
NOS anos 70, a administração colonial portuguesa lançou intensa campanha visando malta jovem, com o objectivo de travar o êxodo desta para as fileiras da guerrilha.
Na essência, a propaganda dizia que os ‘turas’ (guerrilha da Frente) se alimentava de carne humana, sendo vítimas preferenciais, os novos recrutas.
Adicionalmente, a tropa colonial espalhava imagens fotográficas de cabeças espectadas em paus, dizendo tratar-se do que restava dos ‘turas’ abatidos na frente de combate.
Tanto numa como noutra situação, a administração colonial portuguesa não conseguiu impedir que os jovens se filiassem à Frente.
Em Angola, a mesma estratégia montada pelo regime colonial português, desta feita apontando dedos acusadores à FNLA, Frente Nacional de Libertação de Angola.
Aqui, a propaganda dizia que restos humanos eram cuidadosamente guardados em geleiras e congeladores, para consumo das lideranças. Debalde, tal como em Moçambique.
Tudo isto vem a propósito de um indivíduo que, na província central de Tete, aqui em Moçambique, teria andado a consumir carne humana, especialmente de crianças.
Aparentemente, o homem confessou o crime e que, na sequência desses apetites aguçados, teve alterações acentuadas no psíquico.
Seja como fôr, ninguém ousa apontar o homem de demência, embora se anuncie, em voz alta, que o fulano dá mostras de estar alterado.
Nos corredores, a sentença popular sugere pena máxima que vai para lá dos 24 anos de prisão maior, como se isso fosse possível no actual quadro legal moçambicano.
Ou seja, o comedor de carne humana merece uma pena de prisão superior àquela sentenciada, anteontem, ao Zófimo Muiane – 24 anos e indemnização à família Guebuza no valor de 50 milhões de meticais, i.e., 50 biliões na antiga família do metical.
Quer dizer, o canibal de Tete é mais criminoso que o Zófimo.
Aquele matava crianças para se deliciar de sua carne e o antigo gestor, segundo o tribunal, matou a própria esposa, andou a falsificar documentos e portou arma de fogo.
Quem é mais criminoso que o outro? O canibal de Tete ou o Zófimo?
Há quem, no entanto, não concorda com a sentença de anteontem, absolutamente normal. Para estes, teria havido manipulação para se chegar àquela sentença.
O que é público é o desagrado da defesa, ainda durante o decurso do julgamento, por não concordar com a investigação realizada pelos peritos da balística.
Enfim, acredita-se que o caso-Zófimo ainda faça correr muita tinta.
Pelo modo como as coisas estão, dá ideia de que o Zófimo se equipara com comedor de carne humana, como se atirado às feras por uns ‘tugas’ desenfreados.
EXPRESSO – 25.01.2018