Canal de Opinião por Edwin Hounnou
Os consensos alcançados entre o Presidente da República, Filipe Nyusi, e o Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, sobre o pacote da descentralização antevê-se como um dilúvio sobre a democracia e o povo. É um golpe aplicado contra a vontade popular. É um grande retrocesso retirar aos cidadãos o direito de eleger os seus edis e governadores provinciais.
Os governantes locais não podem vir das listas como coelhos saem da cartola. Eles devem dar a cara, apresentarem-se aos eleitores, publicitarem os seus programas e dizerem como pensam resolver os problemas do povo.
Assim, teremos quem lhes vai pedir contas. Ninguém se esconderá por detrás de ninguém. A suposta indisciplina dos dignatários de eleição directa é um falso problema.
Tudo depende como cada partido estiver organizado. Quando a disciplina interna for fraca, continuaremos a assistir a cenas de autoflagelação, transportando para a praça pública problemas internos.
A descentralização é delegar poderes a órgãos locais, porém, os consensos que nos apresentam propõem contrário. Concentrar os poderes na figura do Presidente da República não é descentralizar.
O documento dos consensos propõem o seguinte: h1/h3 diz o seguinte: “Nomear o Governador de Província, dentre os membros da Assembleia Provincial e de acordo com a proposta submetida…”.
Quer dizer, um partido ganha e ainda tem que propor ao Presidente da República. Como uma proposta vale como proposta, o Presidente pode questionar porquê este e não aquele. Não há cabeça de lista nem nada, que por si poderia se impor, mas eles sugerem que a Assembleia faça uma proposta que seja do agrado do Presidente da República.
Ao Presidente da República, como lhe bastassem os poderes de nomear e demitir os Presidentes dos Tribunais Supremo, Administrativo, do Conselho Constitucional, do Procurador-Geral da República, dos reitores das universidades públicas e institutos superiores, ainda lhe acrescentam a capacidade de nomear e demitir os 11 governadores provinciais, 11 secretários de Estado, os 150 administradores distritais. Isso tudo ocorre sem a pré-fiscalização do Conselho Constitucional. Uma proposta igual só pode acontecer em estados marxistas-leninistas ou em estados fascistas como era o caso do Estado Novo de António Salazar-Marcelo Caetano.
O Conselho de Ministros, um órgão composto pelo Presidente da República e mais seus amigos, atribui-lhes a capacidade de dissolver um órgão eleito pelo povo, sem pré-fiscalização do Conselho Constitucional, segundo a sua proposta sobre o artigo 244 da Constituição da República. No Artigo 270 -E, Número 1, diz: “O Presidente da República pode, ouvido o Conselho de Estado, demitir o Governador de Província e o Administrador de Distrito”. Foi para isso que Dhlakama aceitou passar por tantos sacrifícios? O Presidente tem que se consultar junto a um órgão indicado por ele próprio para exonerar um órgão eleito?! É um autêntico absurdo!
Nyusi e Dhlakama dizem, na sua proposta sobre Artigo 275, que o órgão executivo da autarquia se chama Conselho Autárquico e não Conselho Municipal tal como aqui se chamam. A imaginação destes dois senhores é bastante profícua e diz que o Presidente da Assembleia Autárquica nomeia e confere posse ao presidente do órgão executivo, dentre os membros da Assembleia Autárquica. Continuam dizendo que o Presidente do Conselho Autárquico pode ser demitido pela Assembleia Autárquica respectiva e pelo órgão de tutela do Estado. Esta trapalhada é Nyusi, ansioso em sacudir os autarcas da oposição e Dhlakama.
Afinal, não era apenas o secretário da ACCLIN que não apanha sono enquanto uma única autarquia for governada pela oposição.
São todos, incluindo Nyusi não apanham sono enquanto uma parcela do território nacional for governada por gente não da Frelimo e o pacote dos consensos são disso uma prova evidente. A supressão do direito dos cidadãos de elegerem os seus edis visa, em primeiro lugar, recuperar os municípios sob a gestão da oposição.
O problema fundamental neste iceberg da grande mentira ressalta o facto de ser construído por apenas duas pessoas e duas organizações políticas, subalternando a vontade de 28 milhões de moçambicanos.
Os partidos Frelimo e Renamo, os donos da pretensa paz militar, devem estar satisfeitos com a sua façanha.
De modo geral, a sociedade se sente marginalizada, por isso, a paz continua por um fio e os conflitos podem reacender. A paz não pode uma árvore plantada por duas pessoas, excluindo o povo. O Estado de Direito e Democrático não pode ser construído por apenas dois partidos nem por duas pessoas, por mais importantes que elas sejam.
Voltamos a alertar a Nyusi e Dhlakama, a Frelimo e a Renamo para não adiarem a paz. A paz que queremos deve ser uma larga hambrella onde todos os moçambicanos se possam rever e abrigar. Paz não é sinónimo do silêncio das armas nem apenas o fim dos raptos e assassinatos de membros da oposição, mas sim, desenvolvimento inclusivo.
O povo não deve aceitar retornar ao sistema bipartidário, intolerante e terrorista. Temos que agir de modo a obrigar a Frelimo e a Renamo a desistirem do seu projecto de escravizar o povo. (Edwin Hounnou)
CANALMOZ – 26.02.2018