Canal de Opinião por Adelino Timóteo
Durante cerca de dois anos, o Governo da Frelimo e a Renamo vinham negociando um modelo de descentralização uniforme, que acomodasse a exigência da “Perdiz”, de nomeação de governadores provinciais. Convém lembrar que, mediante a garantia de consensos, o líder da “Perdiz” cedeu ao pedido do Governo de se prescindir de negociadores, como era o caso de Dom Matteo Zuppi, caracterizado por excentricismo na sua função, daí impondo metas, sugestões e os prazos, incomportável para a estratégia do Executivo de prolongar o estabelecimento dos consensos, até para aí no ano 2019. Pois, removido o empecilho Dom Matteo Zuppi, que fazia alarde das negociações via imprensa, contra a expectativa silenciosa do Governo, eis que não encontramos o optimismo com que Dhlakama nos vinha brindando ao longo desse tempo.
Tal a sua fé de que os governadores seriam eleitos directamente ou indirectamente, por via de escrutínio das assembleias provinciais.
Dhlakama foi-se acomodando dentro desse consenso imaginário.
Dhlakama foi-se acomodando dentro desse processo ilusório de negociação, se bem ao fim do ponto acima citado afirma que o Governo assim o impôs, ademais introduzindo a figura de secretário de Estado para as províncias.
Porém, Dhlakama admite explicitamente que não era isso que ele queria, que mais uma vez o enganaram.
A montanha acaba de parir um rato. Deixou-se enganar porque ele também apoiou a remoção da função essencial de negociador e tomou as rédeas, como parte activa.
Dhlakama pode ser um estratega militar, mas não é especialista em ciências políticas. Ao reduzir as conversações a consensos arrancados em conversas telefónicas mostrou-se uma vez mais iludido, ingénuo e traçou o seu futuro, aquém do triunfalismo que nos transmitia via imprensa. Não é especialista em direito administrativo, nem constitucional. Foi fintado por astutos da Frelimo, que necessitavam dessa parceria com a “Perdiz”, para
- a) melhorar a imagem nacional e internacionalmente da decaída Frelimo;
- b) recuperar a confiança dos doadores grevistas e investidores, perante o desacreditado sistema financeiro moçambicano, marcado por corrupção e corruptos de colarinho branco.
O acordo preliminar celebrado entre as duas partes ancora-se não só na referida descentralização fictícia, como também numa contradição sobre a reforma do processo autárquico, imposto por via de eleição indirecta, por via de assembleias, sem respeitarem o limite material da Constituição da República (artigo 292 n.º 1 alínea e)) , que impõe a celebração de referendo, em caso de perspectivas de alteração do modelo desenhado. Isso mostra uma amanhada perspectiva do poder político e uma amnésia no que diz respeito à observância do Estado de Direito. Ora, a simulação do consenso entre a Frelimo e Renamo para alteração constitucional visa contornar com a imposição constitucional, de dois terços (artigo 295 n.º 1 CRM). A Renamo está encalhada, porque o pacote autárquico foi submetido sobre proposta única de lei de revisão (artigo 295 n.º 2 CRM), mas ainda assim não preenche os requisitos formais emanados pela Constituição da República.
Não se trata de pessimismo, mas de realismo material, pois o argumento da Frelimo funda-se na maioria de dois terços (art. 291CRM), mas o limite material é insuprível, senão através de referendo.
A alusão de consensos entre as bancadas maioritárias é só aparente, senão mesmo ilusória. De todas as formas, a aprovação de uma eleição indirecta padecerá de vício da inconstitucionalidade.
Lançado mão da doutrina jurídica, dito por outras palavras, o anúncio de descentralização, longe de ser o que se previa, trouxe-nos a figura da descentralização com concentração.
Ora estamos mais uma vez com uma pretensão ilusória.
Uma figura fictícia e fantasma de governador, pois o Governo avoca poderes para o secretário do Estado.
E por essa via, haverá uma desconcentração do Governo acompanhada de concentração, porque a figura do Secretário do Estado tomará enlevo no exercício do poder em representação do Executivo, logo mergulhando os ditos governos provinciais na penumbra. Não sei como a Renamo manejará essa situação, que no fundo não foge à teoria do balouço, por se estar onde se estava. Dessa desconcentração com concentração muito aproveitará o partido no poder, com capacidade de se transmutar e manipular, de delegar e avocar. Se aproveitará o Governo dado a sua postura astuta, que lhe permitirá devorar os governadores provinciais, jogando com o seu “canibalismo” político, e desta forma lançando de novo os tentáculos sobre as instituições de Estado e a Função Pública, que é o seu aparato de sobrevivência e de manutenção da sua raia de partido dominante. (Adelino Timóteo)
CANALMOZ – 23.02.2018