Editorial
Em primeiro lugar, cabe-nos fazer uma declaração de honra: sempre que o partido Frelimo é derrotado, e de forma acutilante e exemplar, significa que o martirizado povo venceu e, por isso mesmo, há ainda alguma esperança. E rejeitar a Frelimo nas urnas é a melhor forma de se insurgir contra esses mais de quarenta anos de incompetência governamental e, mais do que isso, é responsabilizar o maior responsável pela nossa desgraça colectiva.
A eleição intercalar de Nampula de Nampula trouxe consigo um livrete de lições que estavam avulsas sobre várias dinâmicas da vida do nosso povo.
Esta eleição informou que a acção dos órgãos de informação públicos – que o regime usa como instrumento de propaganda para intoxicar a opinião pública, acreditando que está a ter sucesso na sua agenda de formação do exército de ignorantes e acríticos
– afinal não passa de uma cruzada de evangelização no deserto.
A verdade está nos números. É como diz um grego. Os homens enganam, as mulheres também.
Mas os números, estes não. E os números estão ali a anunciar uma realidade muito mobilizadora: o povo já não conta com a Frelimo nos seus projectos. E isso não pode ser assumido numa perspectiva reducionista como uma conclusão de uma amostra pequena como Nampula. O ponto é que o partido Frelimo passou a ser o maior problema do povo moçambicano.
Se hoje os moçambicanos estão na miséria, com o custo de vida a sufocá-los a cada dia que passa, o responsável é o partido Frelimo e os seus dirigentes. Se, quarenta anos depois, os filhos dos moçambicanos continuam a estudar sentados no chão, debaixo de uma árvore, como se de primatas se tratassem, o responsável é o partido
Frelimo e os seus dirigentes, que vendem a madeira aos chineses, em esquemas lesa-Estado. Há uns até que são “carinhosamente” tratados por “irmão” pelos chineses.
Hoje, o país foi atirado para um precipício devido a uma dívida oculta que ninguém sabe explicar para que serviu, e o partido Frelimo na Assembleia da República aprovou a sua legalização, transferindo a factura para o povo que, neste momento, está a pagar.
Os procuradores da Frelimo no Ministério Público também aprovaram a dívida como coisa boa e vivem brincando aos códigos, garantindo impunidade total aos prevaricadores. Isso também é obra do partido Frelimo.
O partido Frelimo revitalizou com sucesso, vinte anos depois, uma guerra que já havíamos esquecido, e, como moçambicanos, tentávamos cicatrizar as feridas do passado. Do nada, foi lançada uma ofensiva para assassinar moçambicanos devidamente identificados, pelos tais esquadrões da morte. Esposas ficaram sem os seus respectivos maridos, filhos ficaram sem os seus pais.
Isso também é obra da Frelimo.
Nas províncias, os recursos saem em camiões e vagões de comboio, e os impostos são pagos em Maputo, onde residem os chefes da Frelimo, que depois não se lembram dos pobres coitados que vivem nessas províncias. O dinheiro é depois usado para financiar a vida de luxo dos seus filhos, que exibem grandes carros nas ruas de Maputo, desrespeitando sinais de trânsito e limites de velocidade.
Na mesma cidade de Maputo onde desfilam carros de dois milhões de dólares, há moçambicanos que morrem não de malária nem cólera, mas soterrados pelo lixo que é produzido nas casas desses ricos.
Isso também é obra do partido Frelimo.
Ainda na mesma capital, onde nos cruzamos com viaturas dos filmes, que transportam os seus filhos, o povo trabalhador – que garante esses “Ferraris” e “Porsches” – é transportado em carrinhas de caixa aberta, como gado, e esse mesmo tipo de meio de transporte é disputado.
Isto é obra do partido Frelimo.
Postas as coisas assim como estão, é evidente que o povo regista essas coisas e sabe com quem não contar, se ainda quiser ter alguma esperança.
É não contar com a fonte de todo esse mal. É preciso que se diga: a Frelimo transformou-se numa organização do Mal. O partido Frelimo faz tão mal a este povo que é insultuoso achar que esse povo pode ainda contar com essa organização.
A não ser que algum tique de masoquismo se tenha apossado desse povo. Mas, enquanto isso não acontece, o povo já identificou, de forma clara e inequívoca, a fonte suprema da sua miséria.
E, para já, em qualquer eleição bem vigiada não há hipótese de o partido Frelimo ganhar essa eleição, porque simplesmente não votam nele maioritariamente. A única arma que a Frelimo tem é a possibilidade – que ainda tem – de imprimir e contar os votos e de ter uma Polícia feita de filhos do povo que vivem na miséria, mas que, estranhamente, serve a Frelimo de forma canina. A História manda dizer que, sempre que a eleiçãoé devidamente vigiada, o partido Frelimo colhe a humilhação.
E nós achamos que é altura de a oposição entender quem é o inimigo do povo e parar, de uma vez por todas, com as guerrinhas absurdas e descabidas de nexo, e organizar-se como alternativa.
O povo já deu sinais de que não conta com a Frelimo para nada, se não para receber dela as camisetes, capulanas e bonés e dançar de borla nos seus “showmícios”.
A oposição precisa de compreender que só é forte quando estiver unida e com uma estratégia clara. Quer a Renamo, quer o MDM, têm agora um TPC de expurgar das suas fileiras os que se apresentam como obstáculos para que a oposição seja séria.
A Renamo deve, desde já, parar com a paranóia de querer asfixiar o MDM e ficar ela sozinha como oposição.
De nada nos serve um partido cujo objectivo central é acabar na oposição. E o MDM também tem de tratar de dar destino aos que advogam uma oposição fundada em acordos com a Frelimo. O MDM precisa de compreender que a Frelimo só precisa do MDM para efeitos cosméticos, para apresentá-lo à comunidade internacional como mascote de uma alegada democracia.
Se o MDM não compreender isso a tempo, em cada ano vai somar desaires a favor da Frelimo.
O senhor Afonso Dhlakama e a Renamo precisam de deixar os orgulhos de lado e, de uma vez por todas, entenderem que estamos num momento crucial da história da democracia no país. E a oposição só fará parte dessa história pela positiva se se unir. Os egos não nos levam a lugar algum.
Tomamos a liberdade de lançar aqui uma proposta muito concreta para a oposição: porquê concorrer em todas as cinquenta e três autarquias – onde não há capacidade de fiscalização do voto –, se podem escolher um par de municípios estratégicos, onde há claros sinais de saturação contra o partido Frelimo, e investir nesses municípios de forma séria, com bons candidatos, e trabalhar na vigilância do voto? Por que não? Está provado que concorrer em cinquenta e três autarquias é legitimar a Frelimo. Um investimento sério em algumas autarquias na fiscalização do voto certamente que pode dar bons resultados.
Está provado que o maior inimigo da Frelimo não é a oposição em si, mas a fiscalização dos votos, porque o povo trata de cuidar do resto, que é punir a Frelimo nas urnas. A união e uma estratégia clara podem fazer a oposição muito forte. Mas os desvarios de grandeza só ajudam a Frelimo.
De Nampula veio a lição.
(Canalmoz / Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 23.03.2018