Por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
Rufu rune shanje, kutsaura wanodanana (Oliver Mtukudzi) - A morte é desestruturante e ciumenta, por separar os que se amam.
Estas linhas que hoje pretendem prestar homenagem ao jornalista Albino Moisés tiveram um “parto” difícil. É que ainda não me recompus, na totalidade, do ataque de pânico causado pela morte prematura do meu filho Sayden Malik Dias, a despeito das mezinhas que me têm sido administradas por uma equipe médica. As palavras, na hora de escrever este texto, simplesmente morriam nos dedos.
Há gente assim – como Albino Moisés – de uma formosura intelectual fascinante que nos inspiram pelos seus talentos e quando morrem, por mais resilientes que parecemos ser, deixam-nos “paralisados” e a consciência sem pistas para fazer “aterrar” as ideias, memórias, vivências, etc. Albino Moisés era um jornalista incomum, gamado pelo conhecimento, cujo talento fulgurante merecia ser muito mais lembrado e reverenciado ainda hoje.
Ele soube agregar, numa só alma, vários talentos. Sem precisar de uma sala de aulas onde pudesse destilar o seu vasto conhecimento, o Jornal Notícias fê-lo um dos mais lidos cronistas deste país; foi igualmente um dos fotógrafos que mais conseguiu materializar o seu olhar, dando a conhecer ao mundo um Moçambique diferente, belo e atractivo; foi um servidor público sério e com rectidão de justiça – uma figura excepcional de Homem – que se comprometeu com os deveres impostos pela ética profissional. Ele vincava, em todos os momentos da sua vida, que os princípios éticos valem mais que o somatório de quaisquer diplomas. O seu carácter nato, diziam os que conviveram mais de perto com ele, era inesgotável. Portanto, jamais abandonou o dever do respeito ao próximo.
Albino Moisés tinha outros predicados consensuais e que o notabilizaram, por exemplo, a fertilidade em contar estórias, destacando os hábitos e costumes das populações moçambicanas. E dizia, citando o saudoso Carlos Pinto Coelho (outro vulto do jornalismo português e, quiçá, do mundo), que a inspiração não se cria, acontece.
As suas narrativas, se aproveitadas por aqueles que fazem acontecer o processo de ensino e aprendizagem no país, dariam uma boa lição de didáctica aos nossos petizes. Moisés, que tinha o nome de um dos profetas mais importantes do Judaísmo e do Cristianismo, escrevia as estórias do país utilizando a linguagem do povo. Em nenhum momento, Albino Moisés, se deixou arrastar pelos vícios da linguagem estrangeira.
Há pouco menos de dez anos, em Lisboa, diligenciei contactos com algumas editoras visando a publicação das suas crónicas (que o autor havia-me incumbido de as seleccionar), mas, infelizmente, a crise económica que abalara Portugal impediu que se viabilizasse o sonho de Albino Moisés. E meu, sobretudo! Contudo, Albino nunca perdera a consciência do próprio mérito e manteve sempre o pólen de esperança de um dia vir a publicar o seu primeiro rebento literário. Citando o político e poeta maior Marcelino dos Santos, Albino dizia “É preciso plantar, mesmo nas esperanças proibidas.” Esse rebento, quem sabe, poderá um dia acontecer em honra e glória de Albino, postumamente!
A última vez que tive notícias de Albino Moisés foi precisamente há dois anos. O seu texto “Prostituta escreve livro sobre Rua Araújo” tornara-se viral nas redes sociais e eu não quis perder a oportunidade de lhe felicitar (não gosto muito da expressão parabenizar, ainda que aportuguesada). Disse ele, em resposta ao meu e-mail, que andara doente. Eu na minha santa inocência ou ignorância (confesso) pensava que a sua “incómoda ausência” tinha que ver com um velho truque dos escritores que, para permitir uma rápida fermentação do pensamento ou até adensar saudades, levam uma vida de monge. Transcrevo, a seguir, parte não negligenciável da resposta de Albino Moisés:
“Zikomo, grande amigo manhungue... (claro sem sentido regionalista... rsrsrsr...no sentido de "Mwatho muno", de filho da terra... se quiser manhungue de gema...). Que alegria e, muita honra tê-lo aqui, amigo Dias.
Olha, o meu sumiço deveu-se a um problema de saúde. Andei protelando durante algum tempo e chegou um dia que resolvi dar foco a essa questão. Acabei internado durante 1 mês no Hospital Militar de Maputo.... e sai há sensivelmente uma semana. Já estou bem e em repouso por trinta dias. Neste momento estou em casa. A crónica prostituta escrevi durante o tempo de "ócio" hospitalar.... rsrsrrs... e até aproveitei "matar o tempo" a ler alguns livros (…) [uso de comas no texto meu, VCD] Sobre essa crónica, ela faz parte de uma única entrevista que fiz no ano passado e publiquei já duas crónicas. E quis aproveitar o "sub-tema sobre o livro da prostituta" para fazer uma crónica, porque senti que se o fizesse dentro de um texto, ficava "amputado". (Envio-lhe os links das anteriores crónicas dessa entrevista com a prostituta, caso não tenha lido). Olha, pensei em ti, e aliás vou contactá-lo para discutirmos umas ideias, que aliás tu mesmo ainda na "tuga" colocaste um desafio que hoje, acho que já podemos voltar a abordar. Não quero "aproveitar" a sua mensagem para falar desse assunto. Neste momento estou a recuperar bem e em breve, vamos marcar para um papo e, aliás, faz já tempo que tal deveria ter acontecdo! E reconheço, que foi por culpa minha! Mano, valeu! Obrigado mais uma vez, pelo teu sinal. Pela tua força!
Albino Moisés.”
Sinto muito a tua falta amigo Albino. Custa-me não poder ler mais as suas lucubrações (uma grande e irreprimível lágrima quase que se assoma ao canto do meu olho direito). Que estejas onde mereces, amigo Albino, que é na paz eterna de Deus. Apresento os meus sinceros pêsames à Senhora Moisés e sua família, e ao Jornal Notícias, especialmente ao seu PCA Bento Baloi.
WAMPHULA FAX - 19.03.2018