A consultora BMI Research considerou hoje à Lusa que as negociações entre o Governo de Moçambique e os credores da dívida pública vão ser lentas e nenhuma das partes tem incentivos para fazer grandes cedências.
"O início das negociações, que chega mais de um ano depois de o Governo ter oficialmente entrado em incumprimento financeiro no 'Eurobond' de 727 milhões, é um passo na direcção certa, mas nós acreditamos que as conversações devem avançar lentamente, com nenhuma das partes a ter um ímpeto significativo para conceder terreno", consideram os analistas.
Num comentário ao início das negociações, que arrancaram na terça-feira em Londres, a BMI Research vincou que "o 'default' não deve minar substancialmente a perspectiva positiva de crescimento a médio prazo", exemplificando com a decisão da petrolífera italiana ENI de avançar com o "enorme projecto de 7 mil milhões de dólares em meados de 2017".
Para a BMI, o facto de uma das maiores petrolíferas mundiais ter avançado com um megaprojecto em Moçambique já depois de o país ter deixado de pagar a dívida externa e de as agências de notação financeira terem descido o 'rating' do país para 'Default' mostra que "o Governo vai ser lento a apresentar uma oferta que os credores considerem aceitável".
Se o Governo vai ser lento, o mesmo vai acontecer com os credores: "com a produção de gás natural a fornecer um aumento substancial às receitas fiscais e à capacidade do Governo para cumprir com as obrigações, nós acreditamos que os credores devem esperar por um acordo melhor", defendeu a BMI à Lusa.
Os investidores, concluem, "ainda encontram valor na dívida de Moçambique", mas o maior problema reside nos outros sectores da economia.
"Já começámos a ver uma significativa exclusão ['crowding-out', no original em inglês] do sector privado, já que o crescimento do sector dos bancos comerciais está a ser impulsionado cada vez mais pela dívida interna, em vez de empréstimos ao sector privado", escrevem os analistas.
"O arrastar das negociações, limitando o acesso do Governo a outras fontes de financiamento, vai aprofundar esta tendência, pesando na capacidade do Governo para apoiar o desenvolvimento económico do sector privado", acrescentam.
O Governo de Moçambique propôs na terça-feira aos credores e investidores na dívida pública um perdão de 50% da dívida atrasada, ou seja, 318 dos 636 milhões de dólares de dívida que já devia ter sido paga.
De acordo com o documento apresentado aos credores em Londres, e a que a Lusa teve acesso, Moçambique propõe um 'haircut' [perdão de dívida] de 50% nos juros passados e nas penalizações, caso existam", e alterações às taxas de juro e à maturidade da emissão de dívida, cujo prazo inicial terminava em 2020 e já foi alargado para 2023 no final de 2016.
As directrizes da reestruturação, lê-se no documento, são "um cupão e taxas de juro muito baixas até 2023, uma taxa de juro ou cupão para além de 2023 em níveis moderados para lidar com os constrangimentos no serviço da dívida, um 'haircut' nos juros passados e capitalização do saldo, limitadas amortizações até 2028 e oferta de pagamentos em moeda local aos detentores nacionais da dívida".
Na apresentação aos investidores e credores sobre os passos que o Governo defende para reestruturar a dívida pública, que atingiu níveis insustentáveis para as finanças públicas moçambicanas, o executivo propõe aos credores a opção de trocarem os títulos por um de três instrumentos financeiros.
Em todas elas, a maturidade é alargada em oito, 12 ou 16 anos, sendo que nesta última será pago duas vezes por ano um cupão de 2% até ao quinto ano e depois um de 3% entre o quinto e o décimo ano, que sobe para 6% a partir desse ano.
Na prática, Moçambique suaviza as prestações da dívida nos próximos anos e aceita pagar mais no final do período, contando com as receitas do gás natural, que deverão entrar em força a partir da próxima década.
As organizações da sociedade civil têm acusado o Governo de falta de transparência e pediram que o executivo prestasse informação "perante os cidadãos através de um informe em sessão plenária na Assembleia da República", antes da reunião em Londres, o que não chegou a acontecer.
LUSA – 21.03.2018