Cabo Delgado no contexto da “Nova” Guerra Fria, que afinal nunca acabou. Artigo do Politólogo e Arabista da VOA, Raúl M. Braga Pires.
A passagem do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, por Maputo, por poucas horas que tenham sido, asseguram-nos duas realidades. A primeira, a de que a Guerra Fria acabou nos livros, mas nunca na prática e, a segunda, que a chamada Dívida Oculta (2 mil milhões de dólares, só da Ematum), se tornou numa grande oportunidade para colocar Moçambique num centro geodésico de disputa de influência, para já entre americanos e russos, aguardando-se uma movimentação chinesa para breve.
Recordando e resumindo, os avanços americanos têm em Eric Prince, o fundador da Blackwater, o seu principal actor, o qual já explora parte da frota pesqueira da Ematum, Proindicus e MAM, cobrindo assim parte da dívida e abrindo a porta a uma potencial negociação com o Governo de Moçambique para a instalação da AFRICOM (Base Militar Americana de Comando Central para África), de preferência em Cabo Delgado/Pemba, “Província Petroleira” com fronteira com a Tanzânia e cujo recente surto jihadista, nos deixou a todos alerta. No entanto, Nacala, mais a sul, na Província de Nampula, também tem potencial e tradição, já que foi uma das principais bases aéreas dos portugueses e da FRELIMO no pós-independência, com MIG’s 21 e Conselheiros soviéticos.
Quanto aos russos, o MNE Lavrov, em tourné africana (em simultâneo decorre também a tourné africana de Rex Tillerson, o seu homólogo americano), jogou várias cartas na sua passagem por Maputo. Desde logo, o Banco VTB, que em Davos demonstrou interesse e disponibilidade para negociar a dívida moçambicana, injectou 535 milhões de dólares na referida MAM, onde Prince também tem interesses. O mesmo banco dá a entender, pelas declarações vagas de ambas as partes, que a dívida que Moçambique teria junto desta instituição bancária russa, está sanada. Foram todos parcos sobre este assunto, evitando-o até. Por outro lado, foi reforçada a intenção, não poderia aliás ser de outra forma, de a russa Rosneft, integrada no Consorcio ExxonMobil, programar para breve o início da exploração offshore de hidrocarbonetos, na costa norte de Moçambique.
Como remate final e na senda do pragmatismo russo, foi anunciado também um reforço da cooperação militar entre os dois países, no combate ao surto de terrorismo islâmico que assolou o norte do país, precisamente onde a Rosneft irá operar, com todas as outras (ExxonMobil, Eni, Anadarko). Este binómio Produção/Segurança, permite um manancial de oportunidades, sobretudo ao nível do comércio de tecnologias e formação/treino de guerra, como ao nível do comércio de tecnologias e formação de quadros na produção de gás e petróleo, mais-valias que ficam sempre no país produtor.
Está aberta uma corrida à exploração de gás, numa região que poderá catapultar Moçambique como 4º maior produtor mundial desta commodity. Falta perceber a posição da China, nesta matéria, a qual se tem mantido discreta até ao momento, dando a entender que prefere ficar em terra e continuar a explorar outra mercadoria preciosa, a madeira, bem como continuar a apostar no sector da construção, onde há muito que bate qualquer tipo de concorrência.
VOA – 10.03.2018