Quarto ao informe da Beatriz Buchili e, quiçá, o mais esperado pelos moçambicanos, dada a curiosidade que existe sobre o estágio de alguns processos mediáticos. Desde logo o caso das chamadas dívidas ocultas (processo nº1/PGR/2015). No informe, o desenrolar do processo é tratado em cerca de três páginas e meia, mas não há muitas novidades.
A Procuradora-Geral da República começa por destacar que cumpriu com a promessa de partilhar os “aspectos essenciais” da auditoria internacional e independente realizada pela Kroll, quer com os moçambicanos, quer com a comunidade internacional. Ciente da pressão interna e externa para a publicação, na íntegra, do relatório da auditoria, Beatriz Buchili mobiliza os princípios de segredo da justiça e da presunção da inocência para justificar a publicação parcelar. E mais: “O relatório contém informações ainda não conclusivas que carecem de seguimento complementar; contém igualmente indicações cuja publicação pode prejudicar as investigações em curso”.
Ainda assim, a Procuradora-Geral da República partilha no seu informe aquilo a que chama de principais conclusões, nomeadamente a inconsistências no propósito declarado na contratação do crédito, relativamente a uma parte do valor; discrepâncias nos preços dos activos e serviços entregues; evidências de falhas nas empresas auditadas; inoperância das empresas; e lacunas no processo de emissão de garantias pelo Estado. No fundo, trata-se das mesmas constatações que a PGR publicou em Junho e Julho do ano passado.
O informe faz ainda referência à denúncia sobre infracções financeiras que o Ministério Público submeteu ao Tribunal Administrativo, solicitando a responsabilização dos gestores e servidores públicos, intervenientes na celebração e gestão dos contratos de financiamento e de fornecimento de bens e prestação de serviços. Os actos que aos olhos do garante da legalidade consubstanciam infracções financeiras resumem-se no seguinte: selecção de bancos e contratação de empresas fornecedoras de bens e serviços, sem o respeito pelas normas do procurement; execução de actos e de contratos sem a submissão à fiscalização prévia e obrigatória do Tribunal Administrativo; efectivação de pagamentos indevidos; emissão de garantias de Estado em valores superiores aos definidos pela Lei Orçamental, sem a competente autorização da Assembleia da República e em violação dos termos do Acordo Internacional celebrado com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
A Procuradora-Geral da República faz notar que o processo de responsabilização por infracções financeiras que corre no Tribunal Administrativo não inviabiliza o outro que visa a responsabilização criminal. É por isso que prossegue a instrução preparatória, e que conta com a cooperação internacional para permitir o acesso a informações relevantes sob domínio de jurisdições de outros Estados. “Tendo sido todos os valores dos empréstimos transferidos dos bancos credores, situados no estrangeiro, para as empresas fornecedoras de bens e serviços, igualmente situadas no estrangeiro, a ter havido desvios, estes terão sido praticados a partir daquelas instituições”, exemplifica o informe.
Apesar de precisar os nomes, Beatriz Buchili destaca a colaboração de “alguns países” que tiveram contacto com o dinheiro rastreado, quer seja como destino, quer seja como trânsito.
Na sequência dos relatórios da auditoria internacional e da Comissão Parlamentar de Inquérito, a Procuradora-Geral da República diz que alertou o Conselho de Ministros sobre “deficiências e contradições de textos legais”. Concretamente, o alerta foi sobre a necessidade de revisão da lei sobre o sector empresarial do Estado (a Assembleia da República já aprovou, este mês, a lei que estabelece os princípios e regras aplicáveis ao sector empresarial do Estado); o aperfeiçoamento da legislação sobre o segredo do Estado; a regulamentação do processo de emissão das garantias de Estado (o Conselho de Ministros aprovou o decreto nº 77/2017, de 28 de Dezembro, que estabelece os procedimentos relativos à emissão e gestão da dívida pública e das garantias emitidas pelo Estado); e a monitoria dos projectos que beneficiam de financiamentos contraídos com garantias do Estado.
O PAÍS – 25.04.2018
NOTA: “…eventuais desvios terão sido praticados a partir do estrangeiro.” É claro que o dinheiro não chegou a entrar em Moçambique… Mas existem infracções factuais que não precisam de qualquer inquérito como o desrespeito pela Constituição e outras leis financeiras, cujos autores já deviam estar a prestar contas à Justiça. Porque se espera?
Leia aqui a versão completa do Relatório Kroll(em inglês): http://macua.blogs.com/files/kroll_mozambique_english
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE