Por capitão Manuel Bernardo Gondola
Etnia. Esta palavra parece ter sido usada pela primeira vez em 1896, no livro Les Selections Sociales, de Vacher de Lepouge. É sinonima de outras expressões como «comunidade étnica e linguística», «nacionalidade espontânea», «nacionalidade sem Estado» e…, outras mais.
Etnia é também um grupo social cuja identidade se define pela comunidade de língua, cultura, tradição, monumentos históricos e território.
Destarte, falar a mesma língua, estar radicado no mesmo ambiente humano e no mesmo território, possuir as mesmas tradições são factores que constituem a base fundamental das relações ordinárias da vida quotidiana. Por outro lado, as relações sociais que derivam do facto de pertencerem à mesma Etnia criam interesses colectivos e vínculos de solidariedade caracteristicamente comunitários.
Você vê, que não fiz uso da Raça; como critério fundamental da definição de Etnia tal como o fez o nosso amigo ao comentar o artigo meu. Este conceito, tal como é comumente usado, não tem um fundamento científico. Os únicos fins com que tem sido e continua a ser usado, basta ver com atenção aquele comentário do nosso amigo; são os de justificar a discriminação e alimentar o ódio racial, bem como o de criar e manter a hostilidade e confusão entre grupos de pessoas.
Na verdade; e eu me apoio em Norberto Bobbio e Nicolla Matteucci os caracteres (símbolos) biológicos, transmitidos por via de hereditariedade, distribuem-se, através de uma linha contínua, nas diversas partes do mundo, de tal modo que, em cada um dos grupos humanos, é possível verificar a predominância de determinadas características. Contudo; os caracteres predominantes num grupo vão-se juntando gradualmente aos dos grupos vizinhos, acabando por não ser possível distinguir um determinado grupo com base nos caracteres biológicos.
Ainda uma observação; quanto ao território; existem na realidade, povos que mantiveram a sua identidade cultural sem estar ligados a um determinado território como; os ciganos ou os judeus, antes da constituição do Estado do Israel.
A observação dos caracteres Étnicos, põe em evidência como eles definem grupos que são diferentes dos grupos nacionais. Existem, com efeito Nações onde estão instalados numerosos grupos Étnicos. E há Etnias que se acham divididos por fronteiras de vários países. Mas; não existem Estados cujos confins (fronteiras) coincidam com os de um grupo Étnico.
Você vê, isto prova a arbitrariedade da pseudoteoria dos «caracteres nacionais», que da por verdadeira a existência de uma afinidade Étnica entre os membros dos Estados nacionais; essa afinidade distinguiria por exemplo; os italianos ou os franceses do resto da humanidade.
Com efeito, os comportamentos Étnicos definem grupos que se mantêm sem a
intervenção do poder político. Por conseguinte; a extensão de uma Etnia é totalmente independente da dimensão territorial do Estado e as suas características não derivam da de forma alguma da Organização Política desse Estado.
E…, a respeito do conceito de Raça e das categorias dele resultante. Veja bem.
Quando eu falar de Raça, ou de branco, ou negro ou mestiço (mulato) eu prefiro não falar de Biologia; mas sim de Sociologia e de História.
A meu ver; esse conceito de Raça é um conceito Sócio-histórico ele foi criado da maneira como nós o conhecemos hoje, a partir do Século XVI e sobretudo final do Século XV com os chamados descobrimentos. Ou seja; com o chamado processo de expansão europeia; quando os europeus então travam contacto permanente e regular com povos que eram diferentes deles do ponto de vista cultural e fenótipo e estabelecem uma hierarquia; na qual eles próprios (europeus) estavam no topo e os outros grupos vão se distribuindo pela base.
Agora; eu não gosto repito; de quando se tenta substituir o conceito de Raça pelo conceito de Etnia jaque há uma série de complicações entre elas por exemplo; nós teríamos que aceitar que um africano tivesse duas Etnias. Quer isto dizer; um africano negro seria negro mas também Zulu ou Massai ou qualquer outro grupo. Quando se faz isso seria acabar com eugenia lexical negativa ou seja; que crer matar o fenómeno eliminando a palavra. Para ser claro.
Ora! Quando eu falo de Raça para que fique bem claro; estou falando de cultura (raça=cultura). Contudo; considero que nós hoje em Moçambique vivemos um momento extraordinário do ponto de vista da discussão sobre relações raciais. E …, sem ser chato; considero esse debate absolutamente fundamental não apenas para os brancos, negros ou mulatos como você coloca mas, para o conjunto da sociedade moçambicana. A meu ver; trata-se de um momento auspicioso, um momento promissor e…, até esperançoso porquanto nós podemos avistar la no futuro a possibilidade de conseguirmos adoptar medidas capazes de enfrentar o racismo de uma maneira bastante eficaz. Se partirmos do principio; que este problema racial durante muito tempo no país foi colocado debaixo da carpete.
Com efeito; a identificação entre Nação e Raça tem sido comum até época do
Nazismo e permanece ainda hoje, embora na maioria dos casos de maneira implícita, o que é comprovado pelo testemunho das definições que os dicionários oferecem deste termo.
Veja; não é preciso me alongar muito para demonstrar que o termo Raça não
possibilita a identificação de grupos que possuem limites definidos e que, de qualquer forma, as classificações raciais tentadas pelos antropólogos mediante critérios que variam de cada pesquisador ou estudioso de maneira alguma coincidem com as Nações modernas.
Devo lembrar; que muitas Nações são plurilingues e que muitas línguas são faladas em várias Nações, que, além disso, o monolinguismo de determinadas Nações, não é algo original nem espontâneo e sim, pelo menos em parte, um facto político, fruto da imposição a todos membros de um Estado com a consequente decadência dos dialectos e das línguas originais, costumes e maneira de viver.
Além disso; a ênfase dada à língua e o sentimento de pertença da pátria através da bandeira dada pelo nosso amigo, coloca em crise, em lugar de esclarecer, a ideia vigente da Nação Unitária. É inegável que o facto de falar a mesma língua ou ter os mesmos costumes se constituem em laços profundos, identificadores de grupos com fisionomias próprias.
Na verdade, uma língua comum é um veículo de uma cultura comum e, portanto, acaba criando laços importantes entre os que a falam, laços que se inserem como elementos constitutivos da própria personalidade.
A partilha em comum do ambiente físico onde vive um grupo de pessoas, por sua vez, liga suas experiências quotidianas, cria lembranças comuns, torna um elemento constitutivo da sua personalidade. É verdade também, e eu me apoio em M.Albertini, que os grupos identificados desta forma, e que podem receber o nome de «nacionalidade espontâneas». Ou seja, não coincidem com as Nações como elas são comumente percebidas e não precisam de poder político para se manterem.
Ora! Procurar nos indivíduos, mediante referências subjectivos, o que vem a ser sentimento nacional, pode levar a ilusão. Utilizando referenciais objectivos encontra-se um Estado, que todavia não é pensado assim como é, mas como sendo justamente uma entidade ilusória. Tal facto, permite afirmar que a Nação não passa de uma entidade ideológica, ou seja, do reflexo na mente dos indivíduos de uma situação de poder.
Estamos todos de acordo, que um Estado para ser Estado de direito precisa ter uma Constituição. E..., eu outro dia estava lendo a introdução da Constituição brasileira.
Melhor reler, para melhor entender o que é Estado: «Nós os Representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para Instituir um Estado Democrático; destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais: a liberdade, a segurança, o bem-estar, desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremas de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Promulgamos sobre a protecção de Deus a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil»
Você reparou, que o principal objectivo da Constituição é Instituir um Estado Nacional.
E esse Estado Instituído vai assegurar os direitos e a identidade de um certo grupo social. No caso o povo Brasileiro e avistar na diferença a riqueza da diversidade.
E, o Brasil, é esse valor das diferenças em um mundo compartilha.
Interrompo aqui as minhas Considerações.
Manuel Bernardo Gondola