As três empresas do pacote “dívidas ocultas” são o exemplo extremo desta realidade
A cidade de Maputo acolheu, na manhã desta terça-feira, um debate público juntando governantes, sociedade civil, académicos e outros players que, normalmente, se posicionam na linha da frente quando o assunto é emitir opinião e comentários sobre os mais variados temas da actualidade social, política e económica.
Ontem o debate esteve subordinado ao tema: Como está em Moçambique? António Francisco, académico, pesquisador e actual coordenador do grupo de investigação sobre pobreza e protecção social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE), circunscreveu-se ao tema: Crise Financeira e Consolidação Orçamental: O Problema da Desorçamentação? A ideia na abordagem deste tema era, essencialmente, mostrar a estranha realidade caracterizada por uma orçamentação que, de forma deliberada ou não, deixa de fora os saldos de caixa que passam de um ano para o outro.
Esta é uma realidade que, do ponto de visa contabilístico, não permite transparência na gestão orçamental. O facto é que, segundo o apresentador, no início de 2015, por exemplo, havia um saldo em caixa transitado de 2014, último ano do mandato de Armando Guebuza, um total de 71,5 mil milhões de MT, o equivalente a mais ou menos 2,3 mil milhões de dólares.
Entretanto, contabilisticamente, não se sabe por que razão, o ano 2015 iniciou com a indicação de saldo zero nas contas públicas, o que automaticamente faz com que o considerável saldo do ano anterior não seja contabilizado quando se chegar à fase de calcular o equilíbrio entre as receitas e despesas. A questão que se coloca nestas situações é se saber para que conta os 71.5 mil milhões de Meticais foram alocados e que tipo de controlo e monitoria pode ser feito. É que monitoria, de facto, só pode acontecer através da análise dos dados numéricos constantes, tanto no Plano Económico e Social, assim como, no documento que representa a materialização financeira das acções a desenvolver, o Orçamento de Estado.
Apesar de não significar, necessariamente, que a omissão do valor remanescente no início de cada ano económico possa estar a representar desvios ou roubos, a questão factual é que a não inscrição não permite ao Tribunal Administrativo, por exemplo, fazer o check and balance do desempenho orçamental de determinada época. É, pois, este tipo de nuances que podem representar, na leitura do Professor António Francisco, o que se pode considerar desorçamentação, mesmo colocando a hipótese de o valor estar a ser usado em outras acções de gestão governativa, a exemplo de financiamentos a Fundos e Institutos.
Em relação a este assunto, quando questionado pelo Tribunal Administrativo, a resposta governamental tem sido lacónica e na única perspectiva de que o valor remanescente está em outras contas. A partir destas contas, o governo as alocações que entender que deve fazer sem qualquer consulta sobre as actividades prioritárias a serem financiadas. Aliás, a perspectiva de análise das alocações feitas a favor destas entidades (Fundos e Institutos), também pode entrar na lógica da desorçamentação, exactamente pelas dificuldades de controlo e monitoria que encerram. Até porque nem se sabe quantos Fundos e quantos Institutos o país têm. “É um valor que sai do controlo normal da execução orçamental. Então, no ano seguinte você começa como se tivesse saldo zero.
Em 2015, aquele valor não foi usado ao nível do orçamento. Foi usado, não se sabe, onde. O TA vai verificar as contas e notifica as anomalias (...) Isso viola os princípios de unicidade, universalidade e de especificação das contas. Em 2016 aumentou para 73 mil milhões” – anotou aquele economista, considerando essencial que se encontre, urgentemente, um mecanismo que assegure que todos os números estejam fielmente discriminados no Orçamento de Estado e no Plano Económico e Social.
As implicações desta realidade, explicou António Francisco, é que a não incorporação dos valores transitados no orçamento seguinte cria condições para que os valores, que representam entre 25 a 30 por cento do Orçamento anual, sejam usados de forma menos criteriosa e indisciplinada e também não monitorada, além do facto de abrir espaço para que se extravasem limites de crédito, tendo em conta que se assume que o movimento de caxa está zero. “Portanto, há desorçamentação na medida em que você retira do orçamento para contas que não são controladas pelo próprio do orçamento. O orçamento obedece a disciplina e regras do Sistafe.
Estas outras contas nós não as conhecemos. O Tribunal Administrativo tem apontado estas anomalias mas nenhuma medida é tomada para corrigir esta situação” – denunciou o Prof. Doutor António Francisco, para, na abordagem seguinte procurar ser mais preciso: Portanto, a minha mensagem é que o País está numa situação de crise de credibilidade, de funcionamento e de gestão eficiente. Portanto, esta (a alteração do modus operandi) é uma das opções para evitar situações de crise como a das dívidas ocultas.
As dívidas ocultas, no fundo, se assumirmos que fazem parte do orçamento, como já foi assumido agora, na Conta Geral, significa que foi uma desorçamentação”.
Para António Francisco, o caso das dívidas ocultas e as operações que envolvem as três empresas criadas representam o extremo da desorçamentação.
MEDIAFAX – 17.05.2018