Por Roberto Júlio Tibana
Hoje foi dia de mais uma “boa nova”. Revisão pontual da constituição aprovada na generalidade para acomodar os acordos entre a FRELIMO e a RENAMO (alguns dizem entre Nyusi e Dhlakama). O resto do corpo deste “diabo” será revelado nos debates da extraordinária aparentemente prevista para dentro de semanas, quando legislação atinente ainda vai ser considerada. O MDM, que pauta por não fazer política com armas de fogo (muito bem) e por não “marchar nas ruas com malta de gritarias” (mau!..), aderiu ao consenso (que opção?) e ficou-se pelas lamentações e esperanças de que no futuro uma revisão da constituição mais abrangente e com uma participação mais ampla da sociedade venha a ser realizada depois das eleições de 2019 (?!).
Mas no caminho da paz verdadeira os pés de todos ainda estão colados a um chão que também não se move. A Chefe da Bancada da Frelimo falou claramente das duas faces da “moeda de troca”: descentralização em troca de desmilitarização da RENAMO via desarmamento e reintegração das suas “forças residuais”. A mensagem (nem tão velada) é de que esta descentralização é a concessão que a FRELIMO faz à RENAMO para esta começar também a saborear um pouco de governação (uma espécie camuflada de partilha de poder entre os dois, ainda com a hegemonia da FRELIMO, claro!), mas que isso não é dado de borla: o preço é largar as armas.
Por sua vez a Chefe da Bancada do principal partido da oposição respondeu a mesma medida indicando claramente que o assunto é a integração dos comandos da RENAMO em todos os níveis da estrutura de comando das forças de defesa e segurança de Moçambique (e sabemos que nisto ela não fala dos cinzentinhos!). E quase disse: assim o tio queria, e assim estamos nós para continuar.
Claras diferenças.
E portanto os dados das próximas batalhas estão mais uma vez esclarecidos, mas isto somente para quem ainda não quis ver pois eles já são de há muito tempo. O Senhor Dhlakama em vida dizia enfaticamente que isto da colocação dos oficiais da RENAMO no comando partilhado das FDS de Mocambique é um assunto adiado na implementação dos Acordos de Roma de 1992. E nem se precisa de ter memoria de elefante!
E tudo isto certamente vem confirmar que o líder interino da RENAMO está de facto num colete-de-forças muito apertado. Para já, devemos sempre lembrar-nos que tecnicamente as duas forças (da RENAMO e do governo da Frelimo) ainda estão em confrontação militar. Não é por acaso que uma das dificuldades que existia para se atingir o lugar onde o Sr. Dhlakama acabou morrendo sem evacuação médica é porque qualquer objeto voador poderia ser abatido pelas forças militares do governo da Frelimo que até ao dia da sua more ainda cercavam o local. Isto apesar das “tréguas unilateralmente declaradas e indefinidas” e das “conversas telefónicas entre irmãos” (!).
E portanto, neste ambiente de tecnicamente ainda se estar em conflito armado, a questão que se coloca é se o líder interino da RENAMO tem mobilidade, comunicação suficientemente encriptada, autoridade e poder suficiente para chegar a acordo, planear e dirigir com os operativos da RENAMO no terreno o tal desarmamento e reintegração das “forças residuais” que o outro lado lhe está a exigir como moeda de troca contra a descentralização, e, já agora pela sua própria liberdade e vida. Pois lembremo-nos também que ele está a substituir um líder que estava sitiado e no comando de “forças residuais” e portanto ele próprio candidato a sê-lo! Vai ele seguir a mesma estratégia de força que o Presidente Dhlakama e portanto sujeitar-se a ser alvo das mesmas represálias, perseguições e eventualmente um cerco? Por exemplo, pode ele ir as bases de Gorongosa onde o Sr. Dhlakama se escondia para salvar a sua vida, e de lá concertar com os seus comandos e ainda descer de lá livremente para vir tomar o seu assento na Assembleia da República como o faz agora?
Não esperem de mim respostas as estas perguntas. Todas as conjeturas neste momento guardo-as comigo bem mesmo. Só estou a perguntar (e esperar não ser achado vivo ou morto na Circular de Maputo!...).
Finalmente (e para já) um grande suspiro para o chefe em périplo lá pelas terras de Sofala esta semana. Ele que em cada comício fazia questão de mandar recados megafónicos cá para baixo para que a Assembleia da República lhe apressasse a tramitação dos consensos. Nem era para menos. Se não tem o dossier da paz fechado dentro de meses não se sabe o que pode mais apresentar aos seus pares para legitimar as pretensões de candidatura ao segundo mandato como Presidente da República. Pois quem disse que isso já está no bolso? Até lá ainda haverá muitas noites de facas longas, e todo o cuidado ainda vai ser pouco, sobretudo essas coisas de dizer que há frango de 50MTs e que os outros fizeram mal por dar dinheiro por emprestado a um pobre que afinal não pode pagar. Ditos de tipo maquilhagem que cai e deixa ver as rugas. E que deixam os pares dele no partidão embaraçados ao mesmo tempo que aguçam os apetites dos que pensam que ainda têm possibilidades mesmo antes de se completar o dito “clico maconde” que más línguas dizem ter sido acordado em tempos imemoriais.
E assim vamos andando e vivendo no meio desses paradoxos (muito perigosos!) da paz num país atípico.
Chegados aqui, alguns vão dizer lá está mais uma vez esse pessimista. Tudo bem! Deixem me cá sozinho! Nem deviam visitar o meu mural e ler estas coisas. Porque eu por mais algum tempo vou continuar a ser aquele pinguim fora do padrão, por isso solitário, que anda lá em baixo, nas cavernas de gelo a observar e a contar o gotejar e medir as mudanças que observa milímetro a milímetro, mililitro a mililitro, e depois alerta (sob desdém, irritação e zombaria dos outros): the iceberg is melting!...
Bom sol aí em cima, é inverno!
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Iceberg=bloco de gelo no meio do oceano. Os pinguins são aves palmípedes que tomam o iceberg como seu habitat, vivendo sobre ele, no meio de flocos de neve fofinha ao longo de todo o ano, e alimentando-se de fauna marinha muito nutritiva, vivendo uma vida pacífica sem muito esforço, tudo dádivas da natureza.
‘The iceberg is melting’ = o bloco de gelo no oceano está a derreter, expressão adaptada do best seller de John Kotter e Holger Rathgeber com o título ’ Our Iceberg is Melting – Changing and Succeeding Under any Conditions’, MacMillan, Oxford, 2006.
In https://www.facebook.com/robertojulio.tibana/posts/1742055869213961