O JOÃO pode estar, por estas alturas, a esfregar as mãos de contente por retornar a uma casa que muito bem conhece e que, eventualmente, é capaz de lhe proporcionar o rebentar pelas costuras, de tanto engordar à custa de provável tráfico de influência. O homem acaba de ser nomeado ministro das Obras Públicas e Habitação, depois de lá ter estado, em 2015, mas na altura como “vice” e que desta regressa pela porta grande. João Osvaldo Moisés Machatine é, pois, o novo titular, depois de uma presença à frente dos destinos do Instituto Nacional de Calamidades (INGC).
Filipe Nyusi, o culpado pela nomeação, pode ter feito ouvidos de mercador – o que não surpreenderia, de forma alguma – a um alerta no passado avançado pelos investigadores do Centro de Integridade Pública (CIP) sobre a situação do preferido do presidente da República, concretamente no que toca ao eventual tráfico de influência. E vai daí renomear o Machatine, em substituição de Bonete, este, dizem algumas vozes atentas e insuspeitas, exonerado por influência do lobby maconde, com as obras da N1 no epicentro.
O CIP sustenta o seu torcer de nariz face a Machatine, com o seguinte, citação: ‘Segundo o Boletim da República (BR) nº 15, III Série, 2º Supl., de 15 de Abril de 2011 - pág. 348-(66) a 5, João Osvaldo Moisés Machatine tem interesses numa empresa denominada Tovisi Moçambique, S.A., tendo como sócios Pedro Miguel da Silva Ramos de Sousa, Vitor Manuel Macário Lucena e sócio-instituição a empresa TOVISI - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. A Tovisi Moçambique S.A. tem como objecto social a construção, reconstrução e manutenção de edifícios, realização de obras de engenharia civil e de obras públicas, concepção de projectos, instalação e gestão de sistemas de energia eléctrica e prestação de serviços de consultoria. Segundo o Boletim da República nº 50, III Série, Supl., de 16 de Dezembro de 2010 - pág. 1006-(11) a 2, os seus interesses no sector estendem-se também à empresa Alplametria, S.A. onde tem como sócios Joaquim Anibal Chaúque e Franklin José William, sendo que o objecto social desta é construção civil, topografia, venda e aluguer de equipamento topográfico, importação e exportação, fornecimento de mão-de-obra, prestação de serviços e comércio geral.
Ainda no sector da construção, o novo ministro, segundo o Boletim da República nº 13, III Série, de 29 de Março de 2006 - pág. 898, detém interesses numa empresa denominada Enersol, Limitada, que tem como sócios Paulo Miguel Soares Antunes da Silva, Nadja Chiluva Cassimo, Celso Cadmiel Mutemba e João Dziwane Simbine Monteiro. Esta empresa tem como objecto social a comercialização, assistência técnica e consultoria de componentes e sistemas de energia renováveis e de materiais de construção civil, incluindo importação e exportação, comercialização, assistência técnica e consultoria de produtos informáticos, assessoria, consultoria, marketing e procurement e assistência técnica em diversos ramos, comissões e consignações de marcas comerciais.
A sociedade poderá exercer outro tipo de actividades conexas ou complementares ao seu objecto principal desde que para o efeito obtenha as devidas autorizações pelas entidades competentes. Segundo o Boletim daRepública nº 33, III Série, de 18 de Agosto de 2004 - pág. 1621, João Machatine detém, ainda, interesses numa empresa denominada Clínica das Construções, Limitada, onde tem como sócio Filiano Moisés Machatine. Esta empresa tem como objecto social definir formas inteligentes de conservação e manutenção de edifícios, diagnosticar as patologias dos edifícios, propor soluções de reparação e os respectivos custos, execução de obras de manutenção e reabilitação de edifícios, fazer avaliações imobiliárias, consultoria e assessoria técnica, incluindo a jurídica e financeira, no âmbito dos processos de conservação, manutenção de edifícios e avaliações imobiliárias.
Como se pode depreender, o actual titular da pasta de Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos possui variados interesses empresariais no sector da construção civil, o que o coloca numa situação de poder incorrer em conflito de interesses ou tráfico de influências em benefício próprio em detrimento da defesa do interesse público. O que Diz a Lei de Probidade Pública a Respeito de Situações de Potencial Conflito de Interesses em que Pode Vir a se Envolver o Novo Ministro?
Como princípio geral, a Lei de Probidade Pública (LPP) refere no artigo 33 que “Ocorre conflito de interesses quando o servidor público se encontra em circunstâncias em que os seus interesses pessoais interfiram ou possam interferir no cumprimento dos seus deveres de isenção e imparcialidade na prossecução do interesse público”. O novo ministro encontra-se, claramente, numa situação potencial de os seus interesses pessoais poderem interferir no seu necessário/obrigatório dever de isenção, que lhe é exigível para o exercício do novo cargo de natureza pública, designadamente relações de natureza patrimonial previstas na alínea b) do artigo 36 da LPP conjugado com a alínea a) do artigo 39 do mesmo diploma legal, atendendo que este é detentor de participações sociais ou acções em entidades privadas/comerciais cujo objecto se identifica com o da pasta ministerial que actualmente está na sua tutela.
Pelo que segundo o Estatuto Orgânico do Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, aprovado pela Resolução n.° 19/2015, de 17 de Julho, no artigo 1, este órgão ministerial “... assegura a realização das atribuições do Governo nas áreas de obras públicas, materiais de construção, estradas e pontes, urbanização, habitação, recursos hídricos, abastecimento de água e de saneamento”.
Logo, é necessário que o ministro em causa se aparte da gestão directa das entidades privadas suprareferidas. Propõe-se ainda que, em futuros casos, este afastamento da gestão de interesses de natureza privada e que possam conflituar com os de natureza pública seja por meio de uma declaração escrita, onde deverá ser anexada deliberação da Assembleia Geral da entidade privada identificada e reunida validamente, onde fica claro que o referido sócio ou accionista está afastado dos órgãos sociais de gestão das referidas empresas, devendo a mesma ser depositada e monitorizada por uma entidade pública, como seja a Comissão Central de Ética Pública, que segundo a LPP é a entidade encarregada de fazer a gestão de situações de conflito de interesses, para efeitos de controlo efectivo.
Neste momento que a LPP está em revisão, constitui oportunidade soberana a inclusão da proposta referida que se liga a criação de um mecanismo de controle efectivo de situações semelhantes, de modo a futuramente conferir eficácia a lei que vier a ser aprovada’. fim de citação.
EXPRESSO – 21.05.2018