O ÚLTIMO REINO DOS ELEFANTES(documentário)
20000 elefantes vivem em Luangwa Valley na Zâmbia, a maior concentração destes majestosos animais no continente africano. É igualmente um dos poucos lugares onde ainda existem animais selvagens em grande número e variedade. Luangwa Valley é um local com um clima muito próprio - chuvas massivas e inundações, seguidas de longos períodos de seca e morte.
Os elefantes, tal como os hipopótamos, os rinocerontes, os crocodilos e outros, tiveram de se adaptar a estas severas mudanças de clima. As crias nascem durante a época das chuvas quando há comida e água em abundância.
"O Último Reino dos Elefantes" revela-nos a dramática realidade de uma África que está a desaparecer quase diariamente.
Filmado em 1978 - Duração 52m -Dobrado em Português
NOTA: Quantos restarão hoje?
Em tempo:Nota: O Rio Luangwa faz fronteira entre Moçambique e a Zambia, desaguando no Rio Zambeze, no Zumbo. Em 1963/64 tive a oportunidade de o percorrer até cerca de 100Km. da foz. Tive pois a felicidade de assistir a cenas semelhantes a estas e de me banhar naquelas águas. Por isso o reparto com quantos, querendo ou não, não conhecem esta face de África, ou simplesmente para a recordar. Gorongoza, Mapai, Sul do Save, Niassa, Maputo, por exemplo.(Escrito em 10.10.2010)
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O Rio Luangwa, Portugal e Moçambique
Um pouco de história
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Os Portugueses haviam abandonado o Zumbo em 1836, tudo leva a crer que de forma definitiva depois de anos de caos e declínio. Quase na mesma altura, a monarquia Rozvi instalada no sul do planalto, a velha mãe d'ouro, viu-se dominada pelos grupos de guerreiros angunes. A passagem dos Angunes acabou por se revelar fatal no que respeitava às chefias maraves do norte do Zambeze, tendo interrompido as rotas comerciais que davam acesso ao interior. Tudo aponta para que, durante cerca de duas décadas, a prospecção do ouro efectuada tanto a norte como a sul do rio acabou por ficar completamente paralisada.
Entre os beneficiários imediatos de toda esta confusão política encontravam-se os Caetano Pereira. A norte do Zambeze, a chefia Macanga fundada pêlos Pereira acabaria por se transformar num dos mais importantes estados sucessórios da região-nos anos quarenta, controlavam quase toda a zona interior que se estendia do Shire ao Luangwa. Os Pereira eram uma família indiana de mercadores de marfim e operadores de bares para extracção do ouro quealcançara um papel preponderante no final do século XVIII. À laia de indicador da emergência de uma nova ordem, convém dizer nunca terem eles chegado a possuir um só prazo que fosse, logo, que nunca pertenceram ao muito elaborado mundo composto pelas hierarquias muzungo do Zambeze. Os Pereira ajudaram a organizar as expedições oficiais portuguesas que partiram para Kazembe em 1798 e 1831, tendo sido os principais beneficiários da abertura regular do comércio entre Lunda e Bisa. Quando, em 1827, os Portugueses tentaram estabelecer uma feira no vale do Luangwa, foi aos Pereira que o comandante dos Rios recolheu na qualidade de conselheiros. A feira acabou por ser criada dentro de um assentamento que Pedro Caetano Pereira construíra para os seus caçadores de elefantes que exploravam as manadas do vale do Luangwa e vendiam o marfim por si obtido em Zanzibar. Porém, e apesar de, nos anos de 1820, o poder dos Pereira se encontrar fortemente consolidado e se estender até uma zona tão ocidental quanto a do Luangwa, não existe qualquer indicação de que a família ocupasse a velha cidade de Zumbo ou que se mostrasse interessada em aí fazer reviver a actividade comercial da sua feira.
Durante a década de quarenta, Chissaca, o chefe dos Pereira, mostrava-se deveras empenhado em conduzir a sua vendetta pessoal contra a família Da Cruz, e isto faz com que pouco se saiba a respeito das actividades por ele conduzidas no interior. Contudo, aquando da sua morte, ou seja, em 1858, o poder de Macanga estava em declínio e o vale do Luangwa era de novo terra-de-ninguém. Os que aí habitavam estavam longe de o fazer com segurança, já que viviam entre os estados angunes instalados nas terras altas que se estendiam de oriente a ocidente, e os Portugueses do Zambeze e os Ndebele, estes instalados a sul. O declínio verificado no império da família Pereira encorajava os mercadores provenientes da zona inferior do Zambeze a, mais uma vez, tentar expandir as suas actividades. Nos anos cinquenta, Livingstone cruzou-se com vários comerciantes de marfim afro-portugueses, muito ocupados na zona do Zambeze imediatamente acima de Zumbo, e, em 1859, o geólogo Richard Thornton, depois de ter sido dispensado por Livingstone a título temporário, acompanhou uma destas expedições até ao vale do Luangwa.
Esta expedição fora organizada por dois concessionários de prazos estabelecidos noTete, identificando-os Thornton por Senhor Clementina e Senhor Manuel. Acompanhavam-nos cinco outros mercadores negros, todos eles possuidores de nomes Portugueses. Uma vez a norte de Tete, a caravana atravessou o território de uma série de chefes cuja importância era praticamente nula, embora todos exigissem a entrega de presentes para que a expedição fosse autorizada a avançar. "Já foram efectuados pagamentos a onze chefes", escreveu Thornton no seu diário a dezoito de Agosto, "e daqui até Zumbo ainda é preciso pagar a mais seis destes indivíduos." Os chefes acabavam por comprar o marfim, quase sempre ao fim de longas sessões onde se bebia pombe e se regateavam os preços. Thornton diz terem os dois principais mercadores um total de artigos para venda no valor de mil e oitocentas libras, e os cinco mercadores negros peças no valor de mil libras. O marfim era bastante caro, valendo uma presa com catorze libras de peso quinze jardas de panos de algodão. No entanto, a expedição também comprava alfaias de ferro, ferro por trabalhar, fio de ferro e cobre e manilhas de cobre. Uma vez chegados à confluência com o Luangwa, os mercadores foram buscar canoas e alugaram os serviços dos barqueiros residentes nas aldeias vizinhas, mas, ao fim de alguns dias de viagem aio acima, o grupo regressou de forma precipitada ao ponto de partida, já que lhe haviam chegado aos ouvidos rumores relativos ao movi mento de um bando de guerreiros angunes. A expedição decidiu então subir o Zambeze e atravessar o desfiladeiro Mpata antes de, ainda a confluência do Kafue se encontrava longe, fazer meia volta e voltar a Tete.
Quando Thornton visitou Zumbo, o assentamento continuava deserto e em ruínas, mas, em 1861, o governador de Tete fora convidado por Bruma, o chefe mais importante da zona, a restabelecer a feira. Visto o comércio estar a atravessar uma fase próspera e a região aparentar uma certa calma (e talvez enquanto consequência das actividades levadas a cabo pela expedição do Zambeze), os Portugueses decidiram regressar a Zumbo a título oficial. Albino Manuel Pacheco organizou uma expedição em 1862, e a bandeira portuguesa voltou a flutuar por sobre a velha feira. Um dos motivos que levou à reabertura da feira de Zumbo prende-se com o facto de Mzilikazi ter conseguido estender o poder dos Ndebele até ao Zambeze, mostrando-se ansioso por negociar com os Portugueses, ou seja, por trocar o seu marfim por armas de fogo e escravos, bem como por outros produtos de carácter tradicional, entre eles os tecidos. Posteriormente, os chefes chonas (o termo "caranga" quase caíra por completo em desuso na última metade do século XIX) também recorreram aos Portugueses no intuito de comprar as armas que, nos anos de 1880, lhes permitiram resistir aos ataques dos Ndebele.
Tem-se dito que a expansão dos Afro-Portugueses ocorrida nas décadas de 1850 e 1860 foi uma consequência directa da paz que se instalou na comarca de Tete depois das guerras travadas em 1853-5 entre o governo, Chissaca e os Da Cruz. Os chicunda pertencentes ao feudo Da Cruz de Massangano, e visto já nada terem aí com que se entreter, resolveram colocar-se ao serviço de José Anselmo de Santana (Chikwashya), tratando de criar um domínio perto da confluência do Zambeze com o Luangwa." Independentemente da veracidade da história, desde o começo dos anos trinta, Zumbo transformou-se na base capaz de permitir a rápida expansão da influência dos muzungos do Zambeze, entre eles ochefe Santanna, e, por volta de 1863, os seus agentes mostraram-se muito activos a comprar marfim na capital dos Litunga de Barotselândia. O padrão das suas actividades apresenta-nos um quadro com o qual a história de Moçambique já nos familiarizou. Grupos armados de caçadores de elefantes e negreiros invadiam uma região e construíam uma paliçada. De seguida, levavam a cabo uma série de invasões destinadas a aterrorizar as chefias vizinhas e a levá-las a ceder-lhes terras e a pagar-lhes tributo. Assim, enquanto um número infinito de barcaças carregadas de marfim eram enviadas para os entrepostos situados no Zambeze e os escravos eram igualmente despachados para os vários mercados situados tanto na costa como no interior, os chicunda ao serviço dos senhores da guerra afro-portugueses estabeleciam-se a título permanente em aldeias por si construídas, depois do que, à boa maneira do Zambeze, as tratavam de povoar com as mulheres por si capturadas aquando das incursões que efectuavam nos territórios vizinhos.
Perfeitamente alarmados devido à chegada de uma missão inglesa ao Shire em 1861, e conhecendo as intenções de Livingstone no que se referia ao estabelecimento de outras missões entre os Barotse da zona superior do Zambeze, os Portugueses mostravam-se agora ansiosos por estender a sua influência às terras do interior. Até ao momento, as autoridades oficiais sempre se haviam mostrado relutantes no que respeitava a encorajar tudo o que fosse conquista indiscriminada, já para não falarmos no aparecimento de súbditos poderosos. De facto, em meados do século XIX, os funcionários da Coroa faziam tudo para controlar as "dinastias" formadas pelos concessionários dos prazos instalados nas terras baixas do rio, ao passo que sofriam as maiores humilhações às mãos da poderosa família Da Cruz. Porém, na zona de Zumbo e dos vales tributários do Luangwa e do Kafue, pareciam dispostos a reconhecer oficialmente toda e qualquer conquista levada a cabo pêlos Afro-Portugueses e respectivos chicunda, desde que feitas em nome de Portugal e acompanhadas pelo hastear da bandeira portuguesa. De facto, as autoridades da Coroa chegaram mesmo a criar uma nova formade submissão, conhecida por "termo de vassalagem", àqual os senhores afro-portugueses deveriam obedecer, sendo as respectivas submissões registadas no recém-criado Boletim OfficiaL
A partir dos anos de 1860, os chefes chicunda resolveram jogar de acordo com as regras estabelecidas pelos Portugueses. À medida que conquistavam novas regiões, içavam a bandeira portuguesa e enviavam uma notificação oficial informando o governo de mais uma conquista. A área em causa era em seguida transformada num prazo, que era arrendado ao respectivo conquistador, sendo que este recebia o título de capitão-mor e passava a governar as suas terras em nome de Portugal. Deste modo, o sistema dos prazos, oficialmente abolido trinta anos antes, recebeu uma injecção de vida, transformando-se de novo num instrumento capaz de garantir o avanço dos Portugueses mediante a incorporação de toda e qualquer nova conquista.
Entre 1860 e a data da partilha formal da região, o que ocorreu na década de 1890, os chicunda estendiam-se por ambas as margens do Zambeze entre Tete e Zumbo, ou seja, uma área nunca antes incorporada no sistema dos prazos. Para lá de Zumbo, era costume os povos instalados na margem sul do Zambeze reconhecerem a soberania dos Ndebele, mas os mercadores afro-portugueses visitavam regularmente o vale do Gwembe, quase sempre construindo acampamentos nas ilhas que sulcavam o rio, mas, algures nos anos de 1860, acabaram por edificar uma cidade comercial a título permanente entre Inhacoe, um pouco acima da confluência do Kafue. O principal interesse dos Afro-Portugueses era a obtenção de marfim, e os observadores que os viram actuar nos anos de 1860 e 1870 sublinham o facto de as suas actividades negreiras se prenderem quase em exclusivo com a obtenção de mulheres para posterior troca por marfim junto dos Tongas e dos Ndebele.
A norte do Zambeze, os bandos de guerreiros chicunda dominavam as zonas baixas dos rios Kafue e Luangwa, estendendo-se assim o território português até às fronteiras dos reinos ansJiines de Mnezeni e Masekn Os tinis nrincinais "instrumentos" desta exnansão eram as famílias afro-portuguesas dos Rosário Andrade (Kanyemba) e dos Araújo Lobo (Matakenya). Estas famílias encontravam-se ligadas por laços matrimoniais, e, entre elas, controlavam grande parte do vale do Zambeze na zona que se estendia para lá de Zumbo. À semelhança das suas homólogas instaladas na parte inferior do rio, operavam a partir de grandes acampamentos fortificados que, com o tempo, acabavam por adquirir as dimensões de pequenas cidades. Cultivavam uma reputação algo impressionante enquanto selvagens cruéis, e todos os ingleses que, na época, visitaram a região, mostraram-se prontos a reconhecer a extensão do seu poder e influência.
O avanço dos chicunda fazia-se em grande parte à custa das sociedades africanas que já haviam entrado num qualquer processo de desintegração. As chefias maraves já não existiam, e os povos da zona haviam estado sujeitos às invasões angunes e aos longos períodos de ocupação que se lhes tinham seguido. Os chicunda estavam agora numa área onde não existia qualquer oposição organizada capaz de os enfrentar e onde os sistemas de estado africanos há muito que haviam deixado de existir. Assim, e até certo ponto, os chicunda viram-se em condições de ocupar esta lacuna, criando os seus próprios estados assentes no banditismo e que, tendo como ponto de partida grandes acampamentos fortificados, às vezes transformavam-se em assentamentos urbanos.
Com o tempo, é provável que esta região acabasse por assimilar a cultura particular e sincrética dos chicunda - uma mistura interessante da cultura dos povos da zona inferior do Zambeze com as ideias sociais e a organização das sociedades católicas, estes dois últimos factores uma herança directa dos Portugueses. Contudo, existiam limites naturais no que ao avanço dos chicunda se referia. A norte, os estados angunes de Mpezeni e Maseko, e, a sul, a hierarquia Ndebele, todos eles constituíam adversários demasiado imponentes para serem atacados, ao passo que, na parte superior do Zambeze, o reino Barotse continuava a ter capacidade de resistir às acções de banditismo dos chicunda. De qualquer dos modos, a área sob controlo directo dos chicunda era qualquer coisa de considerável, podendo o seu poder ser comparado com aquele dos senhores da guerra suaíli de Manyema, ou aqueles instalados na margem norte do lago Malawi. Tal como nas restantes zonas de África, a partilha formal deste continente entre as várias potências africanas, o que ocorreu na década de 1890, cortou de forma abrupta as linhas segundo as quais os povos africanos se iam desenvolvendo. Os tratados de partilha limitaram as fronteiras de Moçambique a uma área bastante inferior àquela penetrada pela cultura dos chicunda moçambicanos.
In: História de Moçambique, de Malyn Newitt(1995)