EDITORIAL
É de William Shakespeare, esse grande escritor da língua inglesa, a expressão que diz que “a discrição é a melhor parte da bravura”.
O que para outros se traduziria em qualquer coisa como, não diga tudo o que pensa, mas pense sempre bem no que diz.
E será o que nos faz lembrar a intervenção do Presidente Filipe Nyusi na semana passada, quando em visita à cidade de Maputo, se insurgiu contra os manifestantes que dias antes haviam bloqueado a estrada circular da capital, exigindo que fossem tomadas medidas para mitigar a incidência de atropelamentos fatais na zona de Chiango.
Aqueles que sentem dificuldades em se inserir no meio urbano que saiam, disse o Presidente, ao mesmo tempo que, parecendo irritado, sugeria a existência de alguém (que parece ser do seu conhecimento) especializado em agitar as populações a rebelarem-se contra as autoridades.
Fez lembrar Donald Trump, quando se pronunciou sobre jogadores do NFL, que numa manifestação de indignação perante a brutalidade policial e desigualdades raciais, tomaram a decisão de ajoelhar enquanto se entoava o Hino Nacional, na abertura da época do futebol americano.
Depois de acusar os jogadores de anti-patriotas e desrespeitadores dos símbolos da nação americana, Trump sugeriu que eles deveriam sair do país. E alguém retorquiu: “sendo americanos, é para irem viver aonde”?
No mesmo dia da manifestação de Chiango, o vereador do município de Maputo para os transportes, João Matlombe, teria dito, em resposta ao pedido da população para que uma das medidas fosse a instalação de uma ponte para a passagem de peões, que mesmo que isso fosse feito, a população não a iria usar, por uma questão de preguiça.
E para se justificar deu o exemplo das duas pontes ao longo da Estrada Nacional Número 4 e de uma outra no bairro do Benfica, na EN1, as quais alegou que não estavam a ser usadas pela população.
Alguns dias depois das declarações do Presidente Nyusi, circulou nas plataformas sociais uma mensagem violenta, em que os seus mentores diziam que desde que nasceram nunca conheceram um outro lugar que não seja a cidade de Maputo.
Acrescentavam que não sabiam como é que as pessoas se preparavam para viver na cidade de Maputo. “Será pela condição social? Será pelo grau de habilitação (sic)? Será pela idade?” Há uma tendência humana em que os rurais de ontem tendem a apagar as suas origens, para serem mais urbanos que os próprios urbanos.
Dias depois de toda esta retórica presidencial, do nosso ponto de vista absolutamente desnecessária, o Presidente visitou a estrada circular, precisamente na zona onde tinham ocorrido as manifestações, e foi manifestar solidariedade à família da criança cujo atropelamento tinha provocado o protesto popular.
No dia seguinte lá estavam a ser lançados os alicerces para a construção da ponte que a população havia pedido. A questão aqui não é de saber quem, afinal, tinha razão.
E não nos compete dar lições a sábios. O que podemos dizer é que líderes devem aprender a ouvir aqueles que os elegeram para os altos cargos que ocupam. Quando pobres se queixam das precárias condições em que vivem, mesmo que isso seja uma trivialidade, é sempre aconselhável parar, nem que seja por um minuto só, e reflectir se não haverá algum grão de justeza nas suas reivindicações. Não custa muito satisfazer as pessoas cuja única coisa que pedem é uma ponte que lhes permita atravessar uma estrada bastante movimentada, em condições de segurança.
Porque, de facto, se justiça tivesse de ser feita, o que deveriam pedir é que a construção de uma estrada para facilitar a circulação dos que têm o poder de adquirir viaturas, nunca deveria ser feito ao custo da rotina das suas vidas. Poderiam exigir, por exemplo, que no lugar de terem de ser eles a subir seis metros para atravessar a estrada, deveriam ser as viaturas a passarem por um túnel ou por cima de um viaduto construído para o efeito. E não estariam a exagerar. Mas nestas coisas de modernismo e desenvolvimento, os pobres saem sempre a perder.
SAVANA – 15.06.2018