EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (102)
Bom dia, Presidente. Dormiu bem? Se sim, sorte a sua. Eu não posso dizer o mesmo. O País parece caminhar aterradoramente para o abismo. Está à deriva. Talvez o senhor tenha outra explicação – eufemística, como sempre- para o facto de a Renamo não querer ser desarmada.
Aliás, preciso-exigimos- de uma explicação sua para o facto de a Renamo não querer ser desarmada. Não sei- talvez por ingenuidade minha- se foi oportuno a Comissão Permanente da Assembleia da República ter adiado a sessão extraordinária do parlamento que visava aprovar a emenda do pacote eleitoral, enquanto não se registarem progressos significativos no diálogo, que deveriam culminar com a desmilitarização e integração dos homens armados da Renamo.
As eleições autárquicas, Presidente, estão marcadas para 19 de Outubro. É já amanhã! Este adiamento é preocupante e revela, de certa forma, as fragilidades que nortearam o processo que nos empurrou até este paliativo que chamamos de paz. Desnuda que a nossa paz é podre. Frágil. Assenta sobre pilares débeis. Quantas vezes pedimos ao Presidente para que incluísse mais actores no processo de pacificação do País? Quantas vezes dissemos que Moçambique não é território exclusivo da Frelimo e da Renamo?
Na eventualidade de, a partir deste aparente desentendimento, isto desembocar em mais uma guerra, serão só atingidos membros e simpatizantes da Frelimo e da Renamo ou será todo o povo moçambicano? Nós, o povo, não sabemos o que o Presidente da República e o líder da Renamo vinham falando até à data da morte de Afonso Dhlakama. Não sabemos como foi encaminhado esse diálogo. E me parece que não havia actas dessas reuniões.
Depois de cada encontro, Dhlakama informava ao povo o que se havia alcançado. Acontece, porém, que esse porta-voz morreu. Já não temos ninguém para nos colocar a par dos consensos alcançados. Quem se devia prestar a esse papel é o Presidente, mas me parece que quer tirar vantagem. Ou seja, está a empurrar o barco para outra direcção.
É irrefutável que o desarmamento da Renamo é fundamental para fazer funcionar a democracia. Não queremos partidos políticos armados. Isso não é democracia. Todavia, não fica bem ao alto magistrado da nação aparecer publicamente para dizer que a Renamo tem que ser desarmada antes das eleições. Devia, antes, informar ao seu povo o que se alcançou.
A Renamo, em conversas que o Presidente mantinha com o seu líder, teria prometido que se desarmava antes das eleições? A que moldes? Acha, o Presidente, que a Renamo vai entregar as suas armas só porque o senhor anda a apelar para isso em público?
Acha que o simples facto de a Frelimo activar as suas falanges de ódio para andarem na rádio e televisão públicas falarem mal da Renamo vai persuadi-la a mostrar onde é que estão as armas? Em linguagem vulgar, diria que o Presidente não tem unhas para tocar esta guitarra!
Estamos a falar de um processo de paz e reconciliação. Como é que um monstro gigantesco como este pode ser amansado com meros telefonemas entre dois indivíduos? Afinal, qual é o medo da Frelimo- porque não também da Renamo- em incluir mais forças vivas da sociedade no processo? Acho que há uma certa ingenuidade por parte da liderança da Frelimo, o partido no poder. Se não o Presidente não diria, publicamente, que a condição para a realização de eleições é o desarmamento da Renamo.
Quem garantiu à Frelimo que a Renamo está interessada em participar em eleições? A não realização de eleições, em nada prejudica a Renamo. Até ganha com isso. Ninguém me vai convencer que a Renamo está preparada para participar no pleito eleitoral. Dhlakama ainda ontem morreu e há muita coisa que o partido precisa de arrumar. Isso não contempla eleições!
E, para a Renamo, vale a pena continuar com as suas armas. Não é desse modo que tem sobrevivido? As armas são o seu trunfo e não vai entregar só porque alguém anda a apelar para isso publicamente. Esta estratégia está errada. E mais: a não realização de eleições confere ilegitimidade aos órgãos que estarão a governar o País fora do seu mandato.
Mesmo este povo que dizem que é pacífico, resiliente, patrão, não iria engolir isso mansamente. Pior os doadores internacionais. Fora da questão das dívidas ocultas teriam mais motivos para nos mandarem passear.
Não se esqueça, Presidente: o poder da Renamo está na ponta do fuzil!
DN – 29.06.2018