Canal de Opinião por Adelino Timóteo
Foi por volta de 1978 que vi jogar pela primeira vez o guarda-redes José Luís, segundo a lenda, alcunhado “Zé Gato”, por Machel. Pois bem, antes de ver o craque do Textáfrica, in loco, sentados nos muros, no nosso Macurungo, os meus amigos só me falavam dele, isso aquilo, assado, cozido e guisado, criando muita ansiedade em mim. Antes de amar a literatura, eu amei a bola, amei-a a fundo, como tudo a que me devoto, jogando-a, acariciando-a com os pés, ou com as mãos. A bola foi a minha primeira namorada.
Eu ia aos campos com os amigos, assistir aos treinos, do Ferroviário ou dos Palmeiras. No bairro todos os amigos eram do Clube Palmeiras. Eu e o Bai éramos adeptos do Ferroviário. Naquela altura, amar o Ferroviário, doía como dói o desamor. Mas esta é outra conversa. Falava-vos do Zé Gato, a quem os meus amigos me contavam ser espectacular entre os postes. Incisivo e implacável com os avançados, aos quais golpeava, discretamente, com os punhos. Que voava com a mesma leveza, enfim, de um gato. Lembro-me muito bem, vi o Zé Gato quando os meus tios Dadi e Totó me convidaram a assistir a competição entre as selecções de Manica e Sofala.
Eles me prometeram. Durante dias, passando em casa dos meus avós, nos Pais Ramos, a expectativa e a ansiedade tomara-me. Eu só ansiava o correr dos dias, porque era uma oportunidade mais de ver jogar o Orlando Conde, que já era uma lenda do futebol nacional. Em suma: dois coelhos em uma só cajadada. Fomos ao campo para aí à
1 hora da tarde. Cumprimos a fila imensa de petizes, pois tínhamos acesso a coberto da mão invisível. Guardo na memória as imagens fotográficas desta partida. Mas o meu dilema era o estar entre Manica e Sofala, pois de um lado havia o grande ídolo Zé Gato e do outro o legendário Orlando Conde.
Um dilema, pois no bairro quase todos os avançados jogavam à Orlando Conde e os guarda-redes à Zé Luís. Naquele dia, ninguém sentiu fome e fomos em jejum ao caldeirão do Chiveve. Todos muito bem vestidos pusemo-nos na fila e antes do início da partida lográmos entrar, mas já as bancadas sul, que se nos recaíra, como pessoas de humildes famílias, estavam ocupadas. Meus tios como eu e o meu irmão éramos todos gémeos. Sendo mais velhos, dois anos, retalharam as responsabilidades. O Beto era o amigo do Totó e eu do Dadi, mas na verdade passeávamos todos juntos e os quatro nos tratávamos igual. E essa divisão centrava-me mais no cuidado e no dever de garante, quando fôssemos a matinée ou a futebol. Pelo que naquele dia, perante a enchente, restou-nos prostrar-nos atrás da rede tubarão, lateral, contígua à entrada sueste. Onde muitos se apinhavam e o calor era imenso. Lembro-me muito bem de que nos anichamos à rede e lá nos deixamos estar, qual numa grelha, a queimar-nos as pestanas, a assar-nos ao sol, na delícia do jogo, que tinha outros protagonistas.
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