Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected])
“Acabo de ler a entrevista do Savana desta semana e acho a sua opinião bastante insidiosa como, de resto, era de se esperar. Se não é, responda-me a seguinte questão levantada pelo entrevistado: 'o que mudou para o povo com a exploração de gás de Temane em Inhambane, com a exploração de carvão em Tete ou de rubis em Cabo Delgado? O povo continua com as mesmas dificuldades.' Acrescento: o projecto de rubis é de criar calafrios sempre que a empresa anuncia leilões milionários, quando o povo de Namahumbir, o verdadeiro dono das preciosas pedras, mantém uma forma de vida primitiva. A minha pergunta sempre foi: com tantos intelectuais, estudos devidamente aprofundados e instituições estabelecidas por que falhamos?” Trecho extraído de um SMS recebido do amigo BM.
Um intróito: Aquilo que hoje alguns analistas consideram ser uma “descoberta” de recursos, já antes tinha sido espoletado (e não despoletado) por outros olhares e outras picaretas. O termo “descoberta” está entre comas, propositadamente, porque, como escrevi num artigo científico “levanta muitas dúvidas no campo das ciências sociais, pois aquilo que para uns pode parecer uma descoberta, para outros não passará de um 'conhecimento extemporâneo.”
Advogar a interrupção da exploração dos recursos naturais é o mesmo que impedir o processo de desenvolvimento de Moçambique.
Vale a pena olhar para os retrovisores da História e recordar que Portugal, até à década de 60, tinha suspendido a abertura do sector mineiro ao investimento estrangeiro, pois temia que essa situação fosse aproveitada pelas grandes potências europeias para fragilizar os regimes vigentes de então. Esta medida suspensiva não conseguiu reduzir os elevados “caudais” da pobreza, como também não promoveu o desenvolvimento. Portugal ficou estagnado, porque o medo inibiu o país de andar para a frente e os portugueses ficaram mais pobres do desenvolvimento do que estavam antes.
Na minha opinião, os recursos naturais são, apesar da ambivalência de opiniões, indutores de crescimento e desenvolvimento económico, conforme atestam os exemplos de Botsuana, Gana, Maurícia, Timor-Leste, Noruega, etc.
Perfilho da ideia de que o mais difícil, num país com abundância de recursos naturais, é gerir expectativas. É a sina dos políticos: vender a pele do urso antes mesmo de o ter apanhado, facto que provoca um clima de crispação e profundos golpes (estomacais) na vida das populações mais paupérrimas, mormente quando essas expectativas são goradas. Contudo, é importante frisar que os recursos naturais não são panaceia dos males que enfermam o país. Não são a causa da nossa desgraça, bem como não são a causa da sua estagnação. A sua exploração, ainda incipiente, não pode substituir anos de paralisação económica, improdutividade e de bagunças político-partidárias, além do surgimento (com a morte de Samora Machel) de uma sociedade parasitária que pensa pelos dedos dos Smartfones, tablets, etc.
O grande problema de Moçambique não são os recursos, mas sim a corrupção endémica e desenfreada que afecta o normal funcionamento da administração pública. A diversificação económica, a produção, a produtividade e a divisão equitativa da renda não podem vincar, enquanto continuarmos um país corrupto. Há anos que permanecemos no pódio (estou a basear-me na informação das Nações Unidas) como um dos países mais corruptos do mundo. O meu entendimento é este: se a luta contra a corrupção falha, falha também os mecanismos de controlo, os modelos, as políticas públicas, a adopção de estratégias, enfim, a carburação eficaz e eficiente das instituições do Estado.
Hoje fala-se do terrorismo em Cabo Delgado, mas esquecemo-nos da depleção dos recursos marítimos e outros. A minha triste constatação é a de que o mar é um “outro Moçambique”, sem a presença efectiva do Estado, de onde saem os terroristas e seus sequazes para criar instabilidade nos distritos costeiros.
Dizer que o terror que se vive em Cabo Delgado tem que ver apenas com os recursos (gás natural) é uma interpretação simplista, porque esconde alguns teoremas da equação. Como diria um amigo, é uma ponte do icebergue que por baixo ainda esconde muito gelo. Os terroristas atacam e matam populações locais, uma demonstração de que eles pretendem inverter a ordem constitucional e instaurar uma ordem ideológica e religiosa. Ainda que o mote da desordem seja os recursos, o dever do Estado moçambicano não é “oferecer a outra face”, mas sim lutar pela integridade territorial. O Estado não deve ter vistas curtas em matéria de desenvolvimento, como alguns pretendem aludir.
Respondendo, agora, à questão: 'o que mudou para o povo com a exploração de gás de Temane em Inhambane, com a exploração de carvão em Tete ou de rubis em Cabo Delgado? O povo continua com as mesmas dificuldades', tenho a dizer o seguinte:
Os recursos naturais estão nos Estados antes deles se organizarem como Estados. Durante muitos séculos nem sequer são considerados riquezas. É o Homem que os valoriza, transforma e, quase sempre, os exporta para outros lugares. Infelizmente, no nosso caso, nem chega a transformar: vão praticamente como foram encontrados. Nesse caso, nem sequer deixam as populações locais mais ricas. Os ganhos, neste contexto, são subjectivos: os recursos são agora uma riqueza real que pertencem, literalmente, às comunidades guardiãs. Com mais formação e maior intervenção, essas comunidades passarão a fazer parte nos processos de tomada de decisão. Por outro lado, convém afirmar que os benefícios devem vir de quem os governa e não necessariamente das empresas transnacionais, através da criação de mais postos de trabalho, garantindo assim a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Zicomo e um abraço nhúngue à Feliciana.
NOTA: Saddam Hussein, Muammar Kadhafi, Pervez Musharraf, Recep Erdogan e outros líderes mundiais faziam explodir bombas em seus comícios ou nas caravanas em que seguiam para depois acusarem e eliminem seus adversários e detractores políticos. Vem isto a propósito do atentado frustrado contra o presidente do Zimbabué Emmerson Mnangagawa. Não acredito piamente que esse atentado tenha sido perpetrado pelo presidente demissionário Robert Mugabe. Que ganho teria Mugabe, que sempre pautou pelo respeito ao valor supremo da vida humana, com a morte do presidente Mnangagawa? Dois dedos de testa são suficientes para perceber a cabala montada, justificando a ideia de uma provável eliminação do presidente Mugabe já que, em teoria, “É muito mais difícil matar um fantasma do que matar uma realidade.”
WAMPHULA FAX – 26.06.2018