Este artigo visa analisar de forma reflexiva os contornos do conflito armado protagonizado por um grupo ainda desconhecido, mas especulado como grupo terrorista “Al Shabaab”, com o fito de convidar a todos os cidadãos moçambicanos, em particular as autoridades administrativas e políticas, da necessidade de reflexão conjunta e aturada, com intuito de sanar o problema em causa, através da implementação de políticas públicas de inclusão social, tendo em conta que a vida é um bem indisponível, independentemente de, ela deve ser preservada de forma incondicional. Este artigo resultou da pesquisa empírica e a análise bibliográfica.
Contextualizando o conflito
Nos últimos tempos, os conflitos sociais na província nortenha de Cabo Delgado, tendem a atingir proporções alarmantes, pelas suas nefastas consequências para a vida daquela população, de forma particular, por um lado. Por outro lado, para a economia do país, pelo retraimento de investimentos públicos e privados, dada a magnitude da insegurança pública lá vivida, resultado das decapitações humanas, seguidas de saques e destruição de habitações. Ademais, as famílias outrora estáveis e constituídas, na sequência deste conflito, vêm se na condição de viver um ambiente extremamente enlutado, devido à morte do chefe ou outro membro da família, acrescido aos saques das suas únicas economias familiares. As crianças em idade escolar, vêm se na contingência de ver o seu sonho interrompido, daí que é premente que as autoridades governamentais e a sociedade civil actuem de forma amistosa, visando a busca de soluções consentâneas e eficazes para pôr cobro a estas atrocidades covardes. Este conflito não deve ser enxergado como da exclusiva responsabilidade do Estado, mas sim de todo o ser humano residente no território nacional, independentemente da cor política, instrução social, condições económicas, em fim.
Recordar que este conflito surge no momento em que se está buscando uma paz efectiva entre o governo e a Renamo, depois das atrocidades que resultaram em milhares de mortos e crianças desamparadas pela morte dos pais, por um lado. Por outro lado, as populações que sobreviviam simplesmente da agricultura, foram obrigadas a se retirarem do seu meio propício, perdendo toda a sua produção agropecuária, o que acentuou cada vez mais o nível da pobreza e das desigualdades sociais, responsáveis pelo desvio social, como defendem Giddens e Collins.
O mais grave e complexo ainda, é o facto de que esta covardia, está sendo realizada sem que sejam apresentadas motivações claras e pelo facto de não possuir um líder que seria um ponto de partida para as negociações. A inexistência de rosto visível e reivindicações claras neste conflito, tem tornado o problema mais gravoso, dada a existência de especulações diversas sobre o seu móbil, incluindo aproveitamentos políticos desnecessários, aliás, qualquer conflito tem suas próprias motivações independentemente de serem fúteis ou não, o importante é identifica-las e daí partir de imediato para um diálogo inclusivo e transparente. Mas para que isso aconteça é crucial que se envolva na sua apuração, indivíduos comprometidos com a causa nacional.
Prováveis Causas do conflito
As causas subejamente conhecidas de qualquer conflito no mundo sociológico são as desigualdades sociais, tal como salientam alguns mentores da teoria de conflito, Marx, Weber e Collins. Para eles, o conflito resulta de tensão e contradições sociais no meio das desigualdades sociais, o mesmo pode se manifestar em diversas formas de desvio, desde a simples desordem social, protestos, até acções criminais violentas, como é o caso de Cabo Delgado. Neste diapasão, tendo em conta os níveis astronómicos de desigualdades sociais em Cabo Delgado e em outras províncias ricas sob o ponto de vista de recursos naturais, os residentes locais perante a realidade, vem suas expectativas defraudadas numa situação total de anomia social, tal como salienta Merton, ou seja, na vida concreta, a sociedade traça metas culturalmente valoradas, mas não proporciona meios legais para que os indivíduos consigam atingi-las, daí alguns partem para meios ilegais para chegarem as referidas metas.
Para se sair deste horror social, é necessário implementar políticas públicas de inclusão social, por forma a beneficiar economicamente a camada jovem ali residente, através do seu uso como mão de obra, ou através da provisão de condições básicas como saneamento do meio e infraestruturas sociais (escolas organizadas, saúde, vias de acesso e locais de lazer) para que se sintam valorados em áreas da vida social.
Outrossim, segundo a literatura, os conflitos podem ter origem política, económica e religiosa, onde cada um dos insurgentes busca alcançar seus objetivos, independentemente da sua relevância social, mas como se referenciou a cima, não se deve descurar a existência de conflitos com motivações acobertadas ou não relevantes para um indivíduo que goza da sua santidade mental, o que possa nos remeter a um comportamento psicopático, em que o seu autor, simplesmente se alegra quando o seu próximo se encontra agonizado.
Indo para a situação de Cabo Delegado e tendo a devida cautela, entendemos que, aquele conflito, resulta em parte das desigualdades sociais, aliada a incerteza dos próprios jovens se beneficiarem de algo provindo desta exploração, pela experiência havida em outras províncias com a exploração de recursos naturais com similar valor económico, caso de Tete, que em vez da sua população se beneficiar, vem se mergulhada a extrema pobreza, acrescida a poluição ambiental durante o funcionamento das actividades da firma, representando um grave perigo a saúde daquela população circunvizinha. Segundo, aventa se a possibilidade de existência de clivagens entre os diversos concorrentes pela exploração daquele recurso natural, onde os não seleccionados, provavelmente optaram em instrumentalizar os jovens que sentem na pele a exclusão socioeconómico, aliciando-os com valores monetários, dada a sua fragilidade socioeconómico, seu nível de escolaridade baixo e sem perspectiva de uma vida risonha. Sendo assim, eles não sentem perder por nada em aceitar o convite, por achar que é uma oportunidade de emprego.
Possíveis soluções do conflito
Por ser um conflito complexo, pela inexistência de rosto visível e sem motivações claras, o poder público na busca de solução deste problema, devia incidir as suas reflexões entorno dos seguintes pontos:
Pelo facto de serem indivíduos da classe popular (pobres), desempregados, com nível de escolaridade baixo e sem futuro promissor, devia se introduzir de forma imediata e transparente a sua inclusão em projectos rentáveis para as suas vidas, ou seja, esses empreendimentos econômicos, deviam, sem discriminação, incluir jovens locais como mão de obra, dependendo de habilidades de cada jovem, por forma a que se sintam valorados e que possam considerar esses empreendimentos como úteis na melhoria das suas condições socioeconômicas e ao mesmo tempo resistiriam qualquer instrumentalização à vista.
Tendo em conta que a violência gera violência, para o caso concreto, por se tratar de um conflito localizado, devia se priorizar pela busca das suas motivações, através das diversas especialidades governamentais, porque é pela luta contra as “causas” que qualquer problema é sanado. Fazendo o uso da força, enquanto não se conhecer as causas, acarreta custos elevados para as vidas locais, porque em jeito de retaliação, os insurgentes incidirão as suas macabras ações contra as populações indefesas.
Devia se ensaiar o cancelamento temporário da autorização de exploração de recursos naturais naquele ponto do país, para melhor analisarmos o comportamento dos insurgentes, porque este conflito surgiu após a selecção da firma para explorar tais recursos, o que faz crer que o conflito está em torno destes recursos naturais e não questões religiosas como tem se propalado.
Em suma:
Os conflitos sociais prevalecentes em Cabo Delgado, podem ter originado das desigualdades sociais, aliada a incerteza de se beneficiar da exploração de tais recursos naturais.
Devia se implementar um pouco por todo o país, políticas públicas de inclusão social de forma imparcial, como alternativa de desfazer antiga crença de que para se estar bem na vida deve se ter “costas quentes”. Neste caso, através das políticas públicas da juventude, devia se criar condições de aproveitamento de potencialidades de jovens locais, como forma de todos sentirem se valorados e úteis para a sociedade moçambicana.
Pela experiência social, todo o conflito sempre termina em diálogo, pelo que as autoridades competentes deviam incansavelmente identificar a sua causa e de imediato procurar soluções mais consentâneas antes que este se generalize para outros cantos do país com as mesmas características económicas, sob pena de encetar diálogos depois de tanta gente morrer.
Por José Franze
*Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Paraná.
@VERDADE – 26.06.2018