Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected])
O homem forte sabe suportar com paciência e mansidão as dificuldades, sem desesperar nem desanimar quando as coisas lhe correm mal. Não é estoicismo, é a busca de um bem maior. Manuel Maria Madureira da Silva – Reflexos: Eu, o Espelho e a Consciência, 2017, p. 149.
Fiquei profundamente amargurado ao ver nas redes sociais o vídeo que mostra Lino Viegas, um dos mais célebres músicos de Tete, a cantar por “tuta e meia.” Autor da célebre música intitulada Bziribe Kusiyana (tradução livre: não há diferença ou tudo é igual), Lino Viegas é um misto de talento extraordinário e pobreza material. Nenhuma pista de dança fica às moscas quando Viegas faz-se ao palco ou quando sua música é tocada, uma demonstração de que os moçambicanos já consomem o produto nacional, “Made in Moçambique.”
Porém, não gostei de ver a imagem, a forma, “a urna carnal”, a aparência, a ruina de Lino Viegas. Está debilitado e carente. Os insectos voadores, sobretudo as moscas, alimentam-se de restos de comida mal mastigadas que ficam alojados na aquosa pele de seus lábios. Um “embondeiro humano” que está a cair de pé. No aludido vídeo, Viegas era como “mel” que atraia “moscas” que lhe faziam cantar por um prato de comida e um copo de cachaça. Um músico que, a troco de alguns vinténs, está sendo transformado em palhaço: um palhaço forçado e humilhado! Um músico gigantesco, talentoso e completo que destila poesia musical. Estes adjectivos, infelizmente, não suavizam nem amortizam a dor da pobreza que carcoma o seu arcabouço. Pouco se importa, porque, segundo diz, riqueza e pobreza são ditames do destino. Corajoso e sem apoio do governo, Viegas remata: Há desafios na vida que temos de passar e superar sozinhos. Transcrevo pequenos excertos da música Bziribe Kusiyana para que o leitor não venha dizer que exagero.
Deitar-se na cama ou na esteira é tudo igual (o sono é o mesmo): todos dormimos; beber água da geleira ou da bilha é tudo igual: todos matamos a sede; casar com uma velha ou com uma jovem é tudo igual: todas são mulheres; beber uísque/cerveja ou beber nipa (bebida tradicional) tudo é igual: todos ficamos embriagados (bêbados); ser enterrado no caixão luxuoso ou numa esteira tudo é igual: todos vamos à cova” (tradução J. P. Pascoal). De facto, “talento e coragem nem sempre se encontram no mesmo olhar.”
Lino Viegas não é o único músico que deambula de “pé descalço” pelas ruas da amargura da vida. A lista é enorme e transborda. Podemos citar, para pluralizar, Chandú Lacá, um dos expoentes máximos da música nhúngue, cujo talento fulgurante continua a fazer escola. Extremamente notável, Carlos Figueira é um músico de referência. A sua grandeza ultrapassa o nível que hoje a sociedade moçambicana reserva aos “cantores do topo.” José Bernardo Chongo, não tendo sido nascido em Tete, é provavelmente mais tetense que a totalidade dos tetenses: pensa, canta, dança, transpira, come em nhúngue. Kaliza uma voz estonteante que atinge as profundezas da alma. Ele representa, musicalmente, a síntese dos valores nobres do povo nhúngue. Entretanto, estas sumidades continuam a ser esquecidas, ignoradas e preteridas pelo governo provincial de Tete e pelos detentores do poder económico (patrocinadores de espectáculos). Até quando? Zicomo e um abraço nhúngue ao Campine.
NOTA: O MDM está em alvoroço. A propósito, escrevi, em 2017, que o MDM era e ainda é um partido phakama, porque a sua existência e sobrevivência depende da Renamo. Nesse artigo em referência debitei um pensamento que me parece muito actual: o “erro que o MDM comete é de entregar cargos de chefia a malandros, fanfarrões e sabichões que outrora foram varridos no palco da vida da Renamo. Conforme escreveu o padre Manuel Maria Madureira da Silva, 'o curriculum não mencionam as deficiências', razão pela qual confia-se cegamente cargos de responsabilidade a aselhas, corruptos, espiões, etc., que mais tarde criam um clima de crispação no partido.” Simango, um monarca com sintomas de ditador, cometeu vários erros ao formar um partido com base em consanguinidades e de ter confiado em alguns “detritos” que Dhlakama, em vida, muito bem os identificou e expurgou das fileiras da Renamo. Aprenda, caro Simango, a lição de Marinho Pinto (ex-bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal): “As raposas mudam de pêlo, mas não mudam de géneros nem de hábitos.”
WAMPHULA FAX – 18.06.2018