A informação que tenho é que o presidente Nyusi chutou para canto, chutou para o ministro da Justiça e, a verdade é que, de facto, não tem havido uma verdadeira cooperação. Isto preocupa-me, é sinal que há uma deterioração das condições de segurança em Moçambique - eurodeputada socialista Ana Gomes
Cerca de meia centena de pessoas, entre família e amigos, concentraram-se domingo frente à embaixada moçambicana em Lisboa para apelar às autoridades para resgatarem o português Américo Sebastião, que foi raptado exactamente há dois anos em Moçambique (Correio da manhã Nº 5370, págs. 1, 2 e 3).
“O que nós estamos aqui a fazer é lançar um apelo profundo às autoridades portuguesas e moçambicanas e dizer que queremos o Américo de volta”, disse à Lusa a mulher, Salomé Sebastião, empunhando um cartaz onde se lia: “Quero o meu marido de volta!”. Por isso, continuou, a expectativa é que haja “um empenho profundo de Portugal e de Moçambique” até que Américo Sebastião, raptado em 29 de Julho de 2016, seja encontrado e regresse para junto da sua família.
“Acho que realmente isto tem de ficar esclarecido, eu acredito que a forma de esclarecer é investigar realmente o que está a acontecer, investigar, dar um impulso às investigações” e “utilizar um recurso valioso” que tem sido oferecido, que é a ajuda portuguesa, prosseguiu Salomé Sebastião, ladeada de familiares e amigos que empunhavam cartazes com frases como “Queremos Portugal e Moçambique juntos na procura do Américo” ou “Queremos o Américo connosco”.
“O facto de estarmos aqui significa que o assunto não está esquecido e que o Américo tem de ser localizado, resgatado e devolvido ao seu país e à sua família. Estamos aqui presentes e firmes até que isso seja um objectivo atingido, não vamos desistir”, garantiu Salomé Américo, numa concentração onde estavam também o filho e a mãe do empresário e que juntou cerca meia centena de pessoas. Por isso, acrescentou, é preciso que Moçambique colabore e encontre Américo Sebastião.
Salomé Américo agradeceu ainda o empenho das autoridades portuguesas até ao momento, nomeadamente do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que no sábado “manifestou publicamente o seu continuado empenho no futuro até que tudo isto fique esclarecido”. Na concentração marcaram também presença a eurodeputada socialista Ana Gomes e o ex-líder do CDS-PP José Ribeiro e Castro.
“É um caso humanitário extremamente importante, o desaparecimento de um português, um empresário em Moçambique, e de uma falta de cooperação das autoridades moçambicanas, não obstante todas as palavras no bom sentido não se têm visto acções”, mas antes a “recusa por parte das autoridades de Moçambique de aceitar a oferta por parte das autoridades portuguesas de ajuda por parte da Polícia Judiciária”, afirmou à Lusa Ana Gomes. A eurodeputada recordou que a ajuda das autoridades portuguesas “já foi fundamental no passado para resgatar outros cidadãos também raptados”.
No entanto, “neste caso é muito preocupante que não haja a mesma abertura por parte das autoridades moçambicanas”, dando a sensação que há uma “estratégia de deixar que o tempo passe e que a família esmoreça”, disse, salientando que “a família tem sido admirável”. As autoridades portuguesas, prosseguiu, “têm feito o que está ao seu alcance no sentido de persuadir as autoridades moçambicanas a uma cooperação efectiva” e, recentemente, o primeiro-ministro, António Costa, quando visitou Moçambique “levou este assunto na sua agenda de conversações ao mais alto nível”. “A informação que tenho é que o presidente Nyusi chutou para canto, chutou para o ministro da Justiça e, a verdade é que, de facto, não tem havido uma verdadeira cooperação. Isto preocupa-me, é sinal que há uma deterioração das condições de segurança em Moçambique”, apontou. “Sabemos que é uma deterioração que tem a ver com o alastrar da corrupção, está a acontecer com cidadãos moçambicanos, que não têm a visibilidade [deste caso], precisamos mais do que palavras, precisamos de actos”, disse a eurodeputada.
O empresário português foi raptado numa estação de abastecimento de combustíveis, fez domingo dois anos, em Nhamapadza, distrito de Maringué, província de Sofala, no centro do Moçambique. Segundo a família, os raptores usaram os cartões de débito e crédito para levantarem 4.000 euros, não conseguindo mais porque as contas foram bloqueadas logo que foi reportado o desaparecimento.
Em Abril, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, recebeu garantias de Moçambique de cooperação política para resolver o caso de Américo Sebastião. O assunto foi igualmente abordado num encontro entre José Luís Carneiro e a vice-ministra do Interior, Helena Kida, que prometeu também cooperação.
As autoridades moçambicanas nunca aceitaram as ofertas de apoio policial português para investigar o caso. A eurodeputada Ana Gomes expôs o caso do desaparecimento de Américo Sebastião a Federica Mogherini, Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, que manifestou preocupação, frisando que “a situação em Moçambique está a ficar complicada do ponto de vista da segurança”.
CORREIO DA MANHÃ – 31.07.2018