Por Marcelo Mosse
O Estado, o Nini Satar, o Flávio M. e o sexo dos anjos...
Enclausurado nas masmorras da Machava, o preso mais famoso de Moçambique, capturado há semanas na Tailândia, domina novamente as escaparates. Nini Satar saiu do país usando uma concessão de liberdade condicional passada pelo juíz Adérito Malhope. Tinha cumprido cerca de metade da pena pelo assassinato do editor Carlos Cardoso, em 2000. Foi também condenado no processo da fraude ao antigo BCM. Por cúmulo jurídico, a pena pelo crime macabro contra o jornalista absorveu a pena pela fraude ao ex-BCM. Quando Malhope concedeu tal liberdade os responsáveis pela penitenciária se recusavam a cumprir mas o juiz ameaçou processá-los por desobediência
Do estrangeiro, de Kensington, em Londres, como tentava fazer crer no seu Facebook ou dos recantos de uma luxuosa suite num Marriot, em Bangkok., onde ele foi capturado, Nini Satar lançou uma cartada vingativa contra agentes do Estado moçambicano. A PGR Beatriz Buchile foi um dos seus alvos de estimação. O Ministro do Interior, Basílio Monteiro, também. Do esconderijo, Nini Satar tentava mostrar que seu poder suplantava o poder do Estado. Quando conseguisse, publicava documentos em segredo de justiça ou na posse de um círculo restrito de magistrados. Insultava. Vociferava contra os poderes do Estado. Melhor, contra os titulares desses poderes.
Ele se contrastava na postura. Exibia uma fortuna faustosa mas até hoje ainda não pagou a indemnização aos herdeiros do editor. Exibia um conhecimento de leis que só um jurista ou um autodidata do direito podia mostrar. Processou os jornais que expunham sua postura desobediente e uma narrativa que lhe ligava a raptos e a manipulação, a partir da cadeia, de uma rede criminosa. Sua soltura foi de bradar os cêus. Malhope não indicou data para seu regresso. Nini Satar tinha a permanência no exterior protegida pela decisão de um juiz de direito.
A PGR Buchile recorreu ao despacho do juiz Malhope mas até hoje o Tribunal Superior de Recurso ainda não respondeu. Passam mais de dois anos. Obviamente, a grande suspeita que se levanta é que, eventualmente, os juízes deste Tribunal também estão condicionados por Nini. E, o cúmulo, o juiz Malhope não foi alvo ainda de nenhum inquérito pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial. Seus membros não mexeram uma palha para separar as águas, pelo menos procurando verificar se Malhope violou preceitos de ética e deontologia e se devia, no caso, ser afastado das barras.
A captura de Nini Satar foi uma vitória para o Estado e para a sociedade. Pelo assassinato do editor ele vai cumprir o resto da pena. E deverá pagar a indemnização a que todos os outros autores morais do crime, Ayob Satar e Vicente Ramada incluídos, foram condenados, solidariamente. Disso ele não poderá escapar. Depois terá de responder na clarificação doutros casos, de acordo com a justiça. Mas para ele responder, é óbvio que precisa de advogado. E esse advogado tem de lhe ter acesso.
Desde que o Bastonário da Ordem dos Advogados, Flávio Menete, assumiu a defesa de Nini Satar, há poucos dias, ele ainda não teve acesso ao seu constituinte na penitenciaria da BO. Ordens superiores (ninguém em concreto) estão a empurrar o Estado para a negação de um direito constitucional: o direito à defesa em processo crime. Isto é uma aberração da justiça. O Estado não se deve rebaixar ao nível de Nini Satar, caindo na esparrela da vil retaliação, na justiça da vingancinha, do olho por olho dente por dente. Os agentes do Estado que sentiram na pele os ataques de Nini Satar não devem agora retaliar usando expedientes contra a Lei. Isso não dignifica o Estado. E a tática pode ter o efeito boomerang.
Aliás, ao contratar Flávio Menete, Nini tirou um coelho da cartola. Seu nome está agora no centro do debate público em Moçambique. A deriva do processo eleitoral ficou para segundo plano. Discuti-se o sexo dos anjos à volta da consciência individual do Dr. Flávio Menete, e sua opção em defender o "quantias irrisórias". Nas próximos dias, Nini Satar será a figura central do debate público (se o Flávio tivesse optado em defender o agente "A" num eventual processo-crime da roubalheira da dívida oculta, ninguém se queixaria). Mas Satar acabou ganhando uma grande protecção na opinião pública. Só o facto de estarmos a falar dele, protege-o de qualquer investida maliciosa.
Nos dias que se seguem, andaremos nesse rame-rame. Os efeitos da crise da dívida oculta que se lixem. A deriva da CNE, o calvário do Samito Machel, a Anadarko se preparando para a construir um colonato em Palma, as roubalheiras da Sasol, o segredo sobre o negócio do petróleo-leve de Temane, a Lei sobre Conteúdo Local, o juiz Malhope e seus pares protectores se passeando incólumes, etc, etc, etc...
Olhem como estamos com as lentes desfocadas: um Estado inteiro se distraindo com o Nini Satar e com a consciência do Flávio Menete!!!
Faxavor!!!
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