Por Capitão Manuel Bernardo Gondola
O assunto acerca do qual me proponho aqui tratar é apenas um aspecto de um tema mais vasto que seria o da actualidade. E…,analisar esse tema em todos os seus aspectos exigiria muito mais do que um breve artigo de opinião e seria mesmo tarefa para vários estudiosos.
Por isso; escolhi um tópico que constitui o núcleo mais íntimo e que tem despertado nos últimos anos um grande interesse e revelado um impressionante fecundidade para repensar os problemas «éticos e éticos-políticos» com que nos vemos confrontados nos últimos anos.
A questão; quer me parecer é a superação do esquecimento da política. Essa; é uma questão que deve estar no cerne de todo o debate. Essa superação levou a um facto que é corriqueiro que me pareça inclusive apontado. Que é a questão de liberdade existente no processo revolucionário.
Na construção do processo revolucionário nós tínhamos uma liberdade de formação, desta «ética política». Acontece; que esse processo revolucionário, no momento em que ele se institucionaliza, ele passa a contrariar e a se contrapor a esta «ética» em construção. Então; a pergunta é seguinte. Para superarmos esse esquecimento como é que nós poderíamos fazer?
Teria que ser evidentemente mediante a um outro processo revolucionário, em que esta «ética» fosse reformulada. Mas…, como nós poderemos fazer isso se a imediata institucionalização levou a esse corte? Essa é uma questão fundamental.
E, embora; a compreensão da sua natureza seja uma questão bastante difícil me parece que a nossa experiência histórica está revestida de fatalidade o que seria terrível admitir, que estamos submetidos a um destino inexorável e que portanto a nossa experiência histórica não está sendo um divertimento.
E, no entanto é a própria experiência histórica, que mostra não só…, nos momentos revolucionários que historicamente se constituíram mas, nos momentos em que você tem uma comunidade em processo de contestação e…, eu vou usar aqui as palavras que Hannah Arendt, que cita de René Char; “forma-se uma herança, que os herdeiros não vão receber”.
Ou seja; forma-se uma herança mas não se forma o testamento. Porque isto! Ai, está a dificuldade de todos os lados. Você tem aquela paixão revolucionária, que Sartre chama de grupo em fusão e que a Hannah Arendt, vê como o momento histórico da transformação.
Então; essa acção de transformação ela é revolucionária, exactamente no sentido em que ela perdura, enquanto perdura o movimento da revolução destarte que esse movimento se completa o movimento de transformação também se acomodou numa nova institucionalização.
Ou seja; as espectativas de uma revolução, e eu me apoio mais uma vez em Hannah Arendt, nunca sobrevivem a própria revolução, por conta dessa questão da institucionalização.
Agora; como analisar isso! Como entender as causas disso. O René Char, quando ele reflecte sobre a resistência francesa (1844) e já prevendo que aquela comunidade, aquela comunidade livre, aquela comunidade em que cada um pode verdadeiramente se encontrar, porque encontrou o outro essa comunidade vai desaparecer com a vitória. Olha o paradoxo.
Ou seja; a comunidade, que lutou pela liberdade, pela expulsão do invasor, essa comunidade, ela vai falir ela vai desaparecer quando há essa liberdade pela qual eles lutaram vier e for conquistada. Então; esse é paradoxo.
Ou seja; a luta pela conquista da liberdade, a luta pelos princípios orientadores parece, que eles são ou seriam de um carácter tão efémero, que a consolidação histórica dele seria uma coisa de impossível. E portanto, eles só se podem viver na forma da esperança, na forma da espectativa, na forma de uma certa paixão que depois então é substituída pela luta de interesses. E, René Chart, diz: “agora estamos todos juntos, logo mais voltaremos as nossas facções, deixaremos a guerra verdadeira e…, voltaremos a guerra de papel”.
E, é exactamente essa impossibilidade da continuidade da transformação, é que é, a continuidade da vida política. Ou seja, a continuidade de que, a liberdade e o poder nasçam a cada momento da reunião da comunidade. E, é isso que Hannah Arendt, vê na praça pública (na ágora dos gregos). Que o poder não está dado, o poder a cada momento nasce e se exerce naquela ocasião, naquela circunstância e sob a instabilidade, os riscos inerentes a essa discussão, a esse jogo de opiniões porque não é outra coisa senão jogo de opiniões.
É o jogo das opiniões e a possibilidade de um ser humano se confrontar com o outro, não através do seu saber, não através daquilo que é consolidado mas, através da opinião que é o retracto mais aparente da subjectividade. Da subjectividade em acção.
Ora! É justamente a subjectividade em acção, que nessa direcção da liberdade, que ela passa então, a se submeter a essa heteronomia do interesse. Porque o interesse, apesar de ser uma coisa do indivíduo na verdade; é uma espécie de preceito externo a ele que ele aceita como seu verdadeiro guia.
Então; é dentro dessa dicotomia, que justamente o processo de liberdade ele acaba sempre se objectivando, se alienando deixando de ser vivido como paixão. E…,talvez seja a consequência, de que só se vive a liberdade com paixão nas ocasiões em que, nós a perdemos logo depois que quando se trata de organizar a liberdade então; nós a organizamos objectivamente. E organizar objectivamente é organizar através naturalmente de interesses e não de paixões.
Então; você vê, essa tomada do espaço público, por esses elementos subjectivos do interesse e portanto a expulsão da subjectividade, da opinião, da experiência histórica concreta, que é ao mesmo tempo individual e colectiva, se admitirmos que, o individuo tem sempre um lastro da subjectividade a constitui-lo então; o desaparecimento disto é, o desaparecimento da política.
Então; como resolver essas questões de «ética e moralidade?» Da mesma forma; eu gostaria de ver a sua opinião; com relação a esses pontos, que vão trazer a transformação da realidade em Moçambique e…,se partirmos do princípio, que a revolução é uma coisa que se acaba na medida em que ela faz.
Ou seja; na medida que ela se faz, ela determina uma relação de produção mas, naquele instante aquela relação de produção passa a ser velha. Isso em filosofia é modificação.
E…, é possível pensar inclusive do ponto de vista filosófico que a saturação duma situação é que leva a sua superação. Ou seja, enquanto você, não têm as determinações completamente dadas duma situação, ela não é superada, ela não é negada. Ou seja; é preciso que uma realidade se esgote para que, algo de diferente ou até mesmo de contrário possa acontecer.
Sem medo de errar; eu acredito que, um pouco daquilo que vemos em relação aos últimos acontecimentos tenham esse fundamento. Você vê; é que nós vivemos uma realidade cada vez mais saturada de negatividades, sobre todos pontos de vista. Quer dizer, a impressão que dá, é que nós, dedicamo-nos com afinco inesgotável a nossa própria destruição sobre todos os pontos de vista: individual, colectiva, político, físico, ecológico e tudo.
Então; se a saturação dessa negatividade, da situação negativa é clara ela tende gerar alguma outra coisa. E esperemos então, que isso que virá pela saturação, do que nós estamos vivendo hoje, seja alguma coisa, que nos acorde para sobrevivência, não só… para sobrevivência física, ecológica, mas também para sobrevivência moral e política.
É possível então; que a gravidade da situação actual possa receber essa interpretação.
A gravidade da situação é um sinónimo de que existe uma saturação e portanto estamos prestes a ter que mudar de patamar e ai podemos passar talvez a uma vida mais afirmativa sobre todos os pontos de vista.
Vamos acreditar que isso possa acontecer.
Manuel Bernardo Gondola