Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
Estamos perante uma ditadura pior que todas as outras, que obriga toda a gente a usar palavras como quem pisa ovos – porque os defensores do politicamente correcto são sensíveis a qualquer objecção ou ideia que lhes desagrade ou não faça parte dos seus cânones, sob pena de ser considerada discurso de ódio; pensar ou agir diferentemente destas minorias é ser homofóbico. Padre Manuel Maria Madureira da Silva in Reflexos – Eu, o Espelho e a Consciência.
A azáfama e o frenesim que caracterizam a cidade de Maputo obrigam-me – de tempos em tempos - ao repouso em zonas mais recônditas do país, para recobrar forças e energias, bem assim recuperar o sono reparador que a dita civilização retira. No “menu” dos locais apetecíveis, Zóbuè tem sido a preferência, pela conjugação do clima fresco e uma descomunal tranquilidade que é interrompida pelo rufar dos tambores quando, às vezes, os nhaus entram em cena. São impressionantes os zobuenses: não aceleram o vagar e nem retrocedem o passo. Também não desperdiçam o tempo, porque estão engajados no trabalho (agricultura). Encaixa-se, para os zobuenses, o provérbio makuwa que diz “As pernas estendem-se em função do tamanho da esteira”, reiteradamente dito, em vida, pelo saudoso Professor Alberto Viegas, nas nossas sempre frutificantes/produtivas conversas em Nampula.
São pensamentos que nos apelam a pautar pelo realismo, para que o passo a dar e a exigência a colocar não estejam em dissonância com as reais possibilidades e capacidades. Devemos agir em função do que possuímos e podemos, sem entusiasmos nem euforias exagerados. É como querer fazer-se de lord, quando, na realidade, você é um despossuído, carente, pelintra. É como querermos nos apresentar ou agir como um país rico, quando, na verdade, somos subdesenvolvidos. O pobre, sem desmentir a sua condição, deve saber o que é e não é capaz. Isto não significa vestir a roupa de falsa modéstia, mas, apenas, ter os pés bem assentes no terreno, sem ambições desmedidas nem subalternidades inexplicáveis.
No muro das lamentações do Zóbuè ouvi, além dos desabafos de Chavalira reportados na crónica passada, o diálogo entre Culambandeu e Malunga. O primeiro, mais ríspido nos comentários, afirmava que Moçambique não conseguirá suplantar a pobreza sem antes defender a propriedade privada e sem darem garantias que é mesmo privada, no tempo e no espaço nacional. O segundo, mais católico, argumentava que a propriedade privada deixaria os zobuenses sem terra, o principal meio de sobrevivência.
Para Culambandeu, a solução dos problemas de Moçambique está na terra. A terra ocupa, na Constituição, uma posição nuclear e central nos processos de desenvolvimento. Os recursos naturais, por mobilizarem grandes capitais, tornar-se-ão instrumentos fáceis de usar pelo grande capital. Por exemplo, o petróleo, a haver, será para os gananciosos do costume. A maioria da população ficará com umas migalhitas. Os prejuízos, se houver um derramamento de crude, uma plataforma a arder (como ardeu durante anos uma na Beira) ou outro azar e/ou incompetência, será paga por todos os moçambicanos. Ademais, os assentamentos que ocorreram, não me parece muito diferente, nas consequências, do que o que era feito no tempo do império português. E o motivo, o mesmo: a ganância.
Malunga, homem de baixa estatura e de falas mansas, referiu-se aos progressos do país nas infra-estruturas que têm sido construídas desde a independência. Infelizmente, entendimento contrário tem Culambandeu, céptico e saudoso masoquista, entende que essas construções são insignificantes, visto que uma grande parte dos moçambicanos ainda se ressente de serviços básicos. Nas duras palavras de Culambandeu, transcrevo: “Parece que esqueceu que receberam com a independência estradas, fábricas, casas, barragens, agricultura, portos do mar e sei lá que mais. Quarenta anos depois, multiplicaram por quanto?”
Electricista de profissão, Culambandeu espumava na boca e lançava fortes golpes no frágil muro das lamentações do Zóbuè, apontado a falta de oportunidade como a causa das frustrações dos zobuenses. Como pode, dizia ele, um posto administrativo que ocupa a categoria de celeiro da província de Tete, incluindo do vizinho Malawi, haver falta de uma agência bancária? Aqui, no Zóbuè (uma visão comungada por Malunga, a única em que ambos estiveram de acordo) não existe a “famigerada” FIPAG nem EDM, existe, sim, uma porção de moçambicanos que os benefícios da “civilização” não lhes assistem.
À essa adversidade, junta-se as desigualdades sociais. Os políticos, nas palavras de Culambandeu, não compreendem que não é possível vencer a pobreza sem combater as desigualdades sociais e regionais. É preciso construir um Moçambique para todos, como almejaram Mondlane, Samora… Zicomo e um abraço nhúngue à minha sobrinha Brígida que, apesar de todas as dificuldades do Zóbuè, consegue soltar um sorriso de alegria e de esperança.
WAMPHULA FAX – 24.09.2018