Foi surpresa??? - Dez mortos, 14 feridos, cerca de 70 casas incendiadas, posto de saúde vandalizado e medicamento saqueado, são os prejuízos mais visíveis de mais uma incursão de um grupo que está decidido a plantar terror naquela região
O facto de nos últimos dois meses, os insurgentes de Cabo Delgado terem, comparativamente, avançado com ataques de menor dimensão, fertilizou a propaganda governamental de que a situação no norte da província estava já controlada.
Aliás, as Forças de Defesa e Segurança (FDS), publicamente, têm estado a negar confirmar as “pequenas” incursões do grupo que a população local prefere apelidar por al-shabaab, apesar de as populações locais permanentemente reclamarem de constantes ataques e um clima de total insegurança instalado. Na lista dos ataques omitidos está o da manhã da última quarta-feira, em Palma, em que pelo menos, um oficial das Forças Armadas de Defesa de Moçambique perdeu a vida.
Entretanto, a grande magnitude da incursão criminosa da noite da última quinta-feira, na aldeia de Piqueue, Posto Administrativo de Quiterajo, distrito de Macomia, província de Cabo Delgado, não deu qualquer possibilidade de as autoridades governamentais continuarem a tentar encobrir a incursão dos insurgentes, cujas reivindicações ainda não são objectivamente conhecidas. Dez mortos, 14 feridos, quase 70 casas incendiadas, unidade sanitária local vandalizada e todo o medicamento saqueado, são os prejuízos mais visíveis de um ataque que durou cerca de 60 minutos, ou seja, das 21h30 às 22h30.
Em mais uma prova da ausência quase absoluta das Forças de Defesa e Segurança, o grupo chegou à aldeia edepois de cerca de cinco tiros esperou uns dez minutos para aferir a presença ou não das forças governamentais. A falta de qualquer reacção acabou dando, ao grupo a informação de que a população estava desprotegida. Com esta percepção, imediatamente, o grupo entrou na aldeia.
Com sentimento de revolta à mistura pela invasão da sua aldeia, a população ainda tentou resistir para expulsar os invasores, mas quando se apercebeu que o grupo estava a disparar a matar indiscriminadamente quem fosse identificado, nada mais a população poderia fazer senão fugir para a mata. Com tantos mortos e aldeia já quase deserta, o bando começou a incendiar rapidamente as casas. Dirigiu-se depois ao posto de saúde, onde rouboutodo o medicamento que conseguiu localizar e, em seguida, vandalizou e ateou fogo às instalações. Do ponto de vista infra-estrutural, os prejuízos no posto médico não foram além, tendo em conta que foi construído de material convencional. Surpresa???
Questionado por jornalistas em relação à insegurança permanente que se instalou no norte de Cabo Delgado, o ministro da Defesa Nacional, Atanásio Ntumuke, encontrou uma justificação, no mínimo, estranha. Falou de surpresa. Ou seja, para ele, as Forças de Defesa e Segurança, que têm a obrigação constitucional de garantir segurança às populações 24 horas por dia, foram surpreendidas.
E foram surpreendidas numa aldeia de uma zona de alerta tendo em conta que por duas anteriores vezes o bando tinha atacado. “Aquilo foi uma surpresa” – disse Atanásio Ntumuke, sem saber explicar, com alguma objectividade e razoabilidade, os contornos da suposta surpresa. Muitas vezes, quando questionados, governantes moçambicanos ligados aos sectores da Defesa e Segurança, mantêm um discurso de suposta prontidão combatida das FDS e presença significativa em zonas propensas a ataques dos grupos armados que continuam a aterrorizar a província de Cabo Delgado.
“Houve um acto macabro, mais uma vez, isto depois de um interregno de mais de um mês. Foi um acto macabro em que perdemos alguns elementos da população e incendiaram algumas casas. Portanto, essa é a situação que se registou em Cabo Delgado, distrito de Macomia” – disse Ntumuke.
O ministro da Defesa Nacional tentou também voltar a atirar a culpa aos pais e a comunidade local no geral, alegadamente pelo facto de os atacantes serem “filhos” daquela zona. “Aquilo foi uma surpresa. Os antecedentes é que duas senhoras abandonaram esta aldeia e foram se juntar com seus maridos no mato. Uma senhora coitada, saiu com cincofilhos, o que é um risco sair com os filhos para o mato.
O que está a acontecer é que esses malfeitores são filhos cujos pais estão na aldeia. O que está a acontecer é que os pais não querem receber os filhos” – disse o ministro, numa colocação discursiva em que tentava sacudir o capote sobre a responsabilidade das Forças de Defesa e Segurança nos ataques mortíferos de Cabo Delgado.
Nesta mesma lógica, o ministro falou ainda de um suposto grupo de 23 jovens que há meses terá desaparecido da aldeia atacada, o que para o governante significante que o ataque foi protagonizada exactamente por estes jovens.
“Até temos a lista” – assegurou, sem contudo dizer o que está a ser feito para a localização dos referidos jovens.
Com os dez mortos registados em Piqueue, o número total de pessoas que perderam a vida desde Outubro de 2017 já atinge uma centena, tendo em conta que há sensivelmente três meses se falava de mais ou menos 80 mortos.
MEDIA FAX – 24.09.2018