Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected])
Uli pa phewa, leka kuti “Nzou!”. – Enquanto és levado aos ombros, não grites “Elefante!” (Se és dependente, não deves criar problemas, senão serás tu o primeiro a sofrer com eles). Pe. Manuel dos Anjos Martins (Coordenador) – Natisunge Cuma Cathu, 2014, p. 55.
Estava de viagem, e enquanto aguardava pelo embarque olhava atentamente as demonstrações de segurança das lindíssimas hospedeiras de bordo, quando recebi um áudio no meu WhatsApp acompanhado de uma mensagem com o seguinte teor: “Boa tarde colegas. O Cabeça-de-lista da Frelimo na Vila de Moatize, Carlos Portimão promete me bater e faz insultos contundentes a minha pessoa por ter partilhado uma publicação da MOZnews onde ele é acusado de ter agredido o director distrital do STAE.”
Outra vez, Portimão? Exclamei, em silêncio, como recomenda o Papa Francisco, “para ganhar expressividade e para discernir o que é importante daquilo que é útil ou acessório.” Desta vez, respondi de mim para mim, tenho a obrigação de refrear a atitude agressiva daquele que – pelas funções que exerce no Concelho Municipal de Moatize – devia ser o exemplo de coerência, compreensão e nobreza de carácter. Para mim, como cristão e um homem de consciência, não me prestaria a fazer de plateia diante de uma situação de abuso do poder cuja vítima encontra-se desesperada no limiar de um perigo iminente. Para se retratar – não espero que Portimão venha a fazer – a pessoa tem de ser humilde, facto que não constitui tradição em muitos dos nossos dirigentes.
A estas alturas o amigo leitor estará a perguntar e com razão: “que certeza tem este mwana nhúngue [rebento de Tete, tradução livre] de que a voz que se ouve no aludido áudio é realmente de Carlos Portimão?” Nunca tive dúvida de que as manipulações existem e há quem, neste mundo de injustiça, mentira e baixeza, viva para semear o tempestuoso vento da discórdia. Devo dizer com manifesta honestidade que conheço Portimão desde a minha tenra idade durante a longa caminhada académica e religiosa, em Moatize.
Já fui perito em transcrição e descodificação de escritos antigos – graças aos conhecimentos de paleografia e “memória de elefante” – o que me permite afirmar que a voz do áudio é de alguém com quem troquei circunstancialmente dois dedos de conversa. Carlos Portimão! Passam muitos anos…
Ainda candidato do partido Frelimo à presidência do Município de Moatize, Portimão, antigo agente da polícia de trânsito, foi preso, julgado e condenado por tentar subornar uma Magistrada do Ministério Público. Como edil, foi acusado de tentativa de homicídio, embora os seus acusadores não tivessem apresentado provas. Há sensivelmente três semanas, no turbilhão dos resultados das eleições autárquicas referente ao Conselho Autárquico de Moatize, Portimão voltou a ser acusado de agressão física contra o director do STAE local, Júlio Baulene. E, mais recentemente, o Jet Li de Moatize, Portimão ameaçou “caçar” e espancar o jornalista Fungai Caetano, correspondente da Zitamar News, naquele ponto do país. Portimão, o Todo-Poderoso, parece andar em contramão no que diz respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos. Kung Fu é uma arte de auto-defesa - tem regras próprias, não segue a lógica da selva - não é um meio para desferir “golpes baixos.” A democracia tem custos que assentam no seguinte tripé: respeito mútuo, tolerância e convivência pacífica. Portanto, Portimão deve acostumar-se a conviver com as regras democráticas.
Acrescentam-se, aos seus males, a forma pouca dinâmica e transparente como tem gerido o Município de Moatize, que há muito tem clamado pela intervenção de uma liderança séria e comprometida com os valores da cidadania. Os municípios são as pessoas e não as riquezas. Enquanto o país continuar a criar slogans políticos de legitimação da corrupção e a promover riquezas que não trazem proveitos aos munícipes, o risco de fortificação da raiz dos descontentamentos é maior. Numa terra de recursos, quando a fome impera, as balas não disciplinam e o Direito falha. Infelizmente, Moatize continua a ser um barril de pólvoras de um conflito adormecido entre as populações, o governo local e as empresas transnacionais que sugam o nosso património. É claro que Portimão não é o único nem o principal culpado do descompasso da máquina (a dessintonia entre a filosofia do presidente Nyusi e os seus acólitos), mas faz parte de todo um sistema que falha.
A cultura e o turismo podem ser a chave para o desenvolvimento inclusivo – receitas que dinamizaram e ainda dinamizam as economias ricas. O verdadeiro progresso social – que fará adormecer o vírus da pobreza – está na cidadania. Ela não depende do crescimento da economia, mas sim nos valores patrióticos que se perderam em Moatize e não só! Portimão tem ajudado, pela negativa, a construir uma Frelimo opressora na mentalidade dos eleitores de hoje e do amanhã. Quem está a conhecer a Frelimo agora, com base nas acções de Portimão, pode até pensar que se trata de um partido sem comando, engana-se. A Frelimo regenera-se, não tem fim.
Nessa lógica, o que mais me admira não é o comportamento de Carlos Portimão. Aliás, a sua utilidade na edilidade de Moatize, como diria o meu velho amigo Nkulu, é como se fosse uma pilha fora do prazo e incapaz de fazer acender as lanternas do presente. Então, o que me inquieta? De facto, o que mais me preocupa é o silêncio sepulcral da direcção da Frelimo, onde militam alguns dos guardiões e reservas morais deste país. Sempre acreditei que a Frelimo fosse e é um partido de disciplina que não se compactua com atitudes como as de Carlos Portimão. Numa altura em que a nação evoca a inteligência de Mondlane, a disciplina e ordem de Samora, a diplomacia de Chissano, a auto-estima de Guebuza e a paz de Nyusi, a atitude de Portimão coloca em causa estes valores. Qual é o preço do silêncio dessas reservas morais da Frelimo?
Um abraço nhúngue ao casal Camal, pela excelente hospitalidade que nos proporcionou (eu e a minha família) em Joanesburgo. O meu zicomo sem fim…
WAMPHULA FAX – 29.10.2018