O espanhol mal chegou ao país e já agita o dinheirinho ao nariz do pobre moçambicano, como se a paz efectiva valesse 50 milhões de euros. Terá sido assim com o Aldo Ajello (ONUMOZ), quando se virou para um dos contendores, e vociferar (?): “paz é também negócio”, e para o outro, a mesma frase. Deu no que todos sabemos: fiasco.
Os estrategas da Renamo jogam com tudo nesta cartada política. Se, de um lado, afirmam que o processo negocial está indo e que não foi interrompido, por outro, transmitem a ideia de que as coisas não estão a ser bem assim. E aos olhos do cidadão comum, fica-se com a sensação de haver aquí muita confusão, espécie de salada russa, ou algo parecido. Na prática, sucede que a Renamo está a jogar com o tal pau de dois bicos.
Ou seja, um discurso para consumo público, e um outro para quando diante do processo negocial, fechado às quatro paredes com o governo e com o grupo de contacto. Aquí, sem evasivas, pode estar a dizer, que só avança com o assunto em apreço, se houver correcção, favorável, às falcatruas registadas nas eleições autárquicas de 10 de outubro. Dito isto, vira as costas e se mantém atento às reacções oficiosas e não oficiosas. Uma espécie de balão de ensaio. Bem ao estilo frelimista. A Renamo aprendeu rápido...bom aluno.
Nesse quadro, temos o Antonio Sanchez, embaixador da União Europeia (UE) acabadinho de chegar que, nem com isso, se inibe de lançar ‘achas à fogueira’, com os 50 milhões de euros para o DDR. Curioso, precisamente o mesmo gesto que o Aldo Ajello terá realizado, mas em privado, para os dois contendores, governo e Renamo, nos anos 90. O italiano, provavelmente tenha encarado o governo enquanto vociferava, “paz é também um negócio” e, virando-se para a Renamo repetido a mesma frase. Foi o que se viu.
Um processo de implementação por demais criticado, onde os homens armados da Renamo em vez de entregar as armas com as quais encostaram o exército governamental à parede, não o fizeram, submetendo à ONUMOZ material bélico obsoleto e sem nenhuma utilidade. Aliado a isso, os homens desmobilizados não tinham nada a ver com os que, durante 16 anos de guerra civil, deram dores de cabeça às Forças Armadas de Moçambique (FAM), sim uns recrutas que, na guerrilha, tinham missões de menor relevo.
Mais, até aos nossos dias há dúvidas, cá fora, se a Renamo chegou a entregar o equipamento pesado durante largo período reivindicado pelo governo.
Ou seja, este espanhol faz entender que só o agitar dos 50 milhões de euros é suficiente para acalmar as hostes. Pode não ser verdade. Certa vez, Afonso Dhlakama deixou claro que se o problema da Renamo fosse o dinheiro, faria chantagem às companhias multinacionais que por cá residem, e, a troco de não serem atacadas, receberia montantes avultados a depositar em contas bancárias previamente indicadas. Em síntese.
De nada valem os 50 milhões de euros exibidos sexta-feira aos moçambicanos, como se o dinheiro fosse tudo nas suas vidas, sim a verdadeira paz e que seja durável, tal como o presidente Filipe Nyusi, até algum tempo, sério apologista com alguma insistência, não tanto nos últimos momentos, diga -se, como se o objectivo já cá morasse.
Mas este emaranhado já era espectável, a partir dos pronunciamentos seguidos à contagem dos votos pelos órgãos eleitorais locais, e postura dos tribunais aos recursos da oposicão.
Seguiu-se um discurso inteligente por parte de Margarida Talapa (Frelimo) e Ivone Soares (Renamo) que, sem colocarem directamente o dedo na ferida, deixaram claro que havia alí um diferendo que urge solucionar.
Não tardou para tudo se clarificar com o firme posicionamento do elenco da Renamo, dizendo: ou se emenda a falcatrua autárquica, ou não há DDR, i.e., ‘ou vai ou racha’.
EXPRESSO – 29.10.2018