Por Major Manuel Bernardo Gondola
O fim da ideia de soberania, ideia que aparece do século XVI e que vai até os anos 80 do século XX e, até os nossos dias. Da ideia de soberania como definição do poder, Michael Foucault, salienta um aspecto de soberania, que ao fim ao cabo desembocará no bio-poder desde há que a soberania se define pelo poder de fazer promulgar e executar a lei.
De facto; esse edifício tem várias partes, evidentemente eu estou tratando mais intimamente dessa parte que nos diz respeito. No nosso século, o conceito político-jurídico de soberania entrou em crise, quer teórica quer praticamente. Teoricamente, com o prevalecer das teorias constitucionalistas; praticamente, com a crise do Estado moderno, não mais capaz de se apresentar como centro único e autónomo de poder, sujeito exclusivo da política, único protagonista na arena internacional.
Para o fim deste monismo contribuíram, ao mesmo tempo, a realidade cada vez mais pluralista das sociedades democráticas, bem como o novo carácter dado às relações internacionais, nas quais a interdependência entre os diferentes Estados se torna cada vez mais forte e mais estreita, quer no aspecto jurídico e económico, quer no aspecto político ideológico.
De facto; está desaparecendo a plenitude do poder estatal, caracterizada justamente pela soberania; por isso, o Estado acabou quase se esvaziando e quase desapareceram seus limites. O movimento por uma colaboração internacional cada vez mais estreita começou a desgastar os poderes tradicionais dos Estados soberanos.
Certamente; o golpe maior veio das chamadas Organizações supranacionais (FMI,BM,OMC). Ou seja; são Instituições, que no dizer do filósofo Severino Elias Ngoenha, são Instituições policiais internacionais cujo objectivo é limitar fortemente a soberania interna e externa dos Estados-membros. As autoridades «supranacionais» têm a possibilidade de conseguir que adequados Cortes de Justiça definam e confirmem a maneira pela qual o direito «supranacional» deve ser
aplicado pelos Estados em casos concretos; desapareceu o poder de impor taxas aduaneiras, começa a sofrer limitações incluindo o poder de emitir moeda. Ou seja; eles retiram parte da soberania nacional dos países. E…, a soberania nacional hoje em dia desse ponto de vista é uma ficção.
Do mesmo modo; as novas formas de alianças militar ou retiram de cada Estado a disponibilidade de parte de suas Forças Armadas ou determinam uma «soberania limitada» das potências menores com relação à potência hegemónica. Além disso, existem ainda outros espaços não mais controlados pelo Estado soberano.
Pela mesma razão; o mercado mundial possibilitou a formação de empresas multinacionais, detentoras de um poder de decisão que não está sujeito a ninguém e está livre de toda a forma de controle não só…mas também; embora não sejam soberanas, uma vez que não possuem uma população e um território onde exercer de maneira exclusiva os tradicionais poderes soberanos, estas empresas podem ser assim consideradas, no sentido de que dentro de certos limites não têm «superior» algum.
De facto; hoje os novos meios de comunicação de massa possibilitam a formação de uma opinião pública que exerce, às vezes com sucesso, uma pressão especial para que um Estado aceite, mesmo não querendo, negociar a Paz, ou exerça o poder de conceder graças que antes era absoluto e indiscutível.
O equilíbrio bipolar, tripolar, pentapolar do sistema internacional torna inteiramente ilusório o poder que as pequenas potências têm de fazer a guerra; desta forma, seus conflitos são rapidamente congelados e colocados de lado, enquanto a realidade da guerrilha torna qualquer Governo incapaz de estipular uma Paz real.
Com a chegada do Estado liberal; e eu me apoio mais uma vez em Michael Foucault e, posteriormente, do Estado democrático, desapareceram a neutralização do conflito e a despolitização da sociedade, operadas pelo Estado absoluto, que através dos partidos, a sociedade civil retomou a actividade política.
A competição entre os partidos, na disputa eleitoral, faz emergir novamente o momento do conflito. Este pode ocorrer de diferentes maneiras, que vão da simples competição dentro de regras por todos aceitos, onde a maioria pode efectivamente decidir, a uma potencial guerra civil, onde, faltando o consenso sobre os valores últimos, a maioria se encontra imobilizada nas questões mais importantes, principalmente em política externa.
Não menos importante; as velhas fronteiras físicas dos Estados cederam lugar a novas fronteiras ideológicas, que ultrapassam os Estados a nível planetário. Além disso, com o aparecimento da sociedade industrial, empresas e sindicatos adquiriram cada vez mais maiores poderes, que são essencialmente públicos, uma vez que suas decisões atingem directamente toda a comunidade.
Você vê; as administrações autónomas locais e as empresas públicas, com seus direitos de decidir acerca dos gastos, tornam frequentemente ilusório o direito que o soberano tem de emitir moeda. A plenitude do poder estatal se encontra em seu ocaso; trata-se de um fenómeno que não pode ser ignorado. Com isto, porém, não desaparece o poder, desaparece apenas uma determinada forma de organização do poder, que teve seu ponto de força no conceito político-jurídico de soberania.
A grandeza histórica deste conceito consiste em haver visado uma síntese entre poder e direito, entre ser e dever ser, síntese sempre problemática e sempre possível, cujo objectivo era o de identificar um poder supremo e absoluto, porém legal ao mesmo tempo, e o de buscar a racionalização, através do direito, deste poder último, eliminando a força da sociedade política.
Em último lugar; estando este supremo poder de direito em via de extinção, faz-se necessário agora, mediante uma leitura atenta dos fenómenos políticos que estão ocorrendo, proceder a uma nova síntese político jurídica capaz de racionalizar e disciplinar juridicamente as novas formas de poder, as novas «autoridades» que estão surgindo.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, aos 25 de Novembro 2018