Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected])
Às vezes as grandes árvores surgem de uma semente defecada pelos pássaros. Extraído de uma conversa com amigo Nkulu
Não vale a pena falar da TVM porque é uma televisão fastidiosa que caiu na rotina. Como se sabe, “as rotinas são como as árvores: se nascem tortas dificilmente se endireitam.” Tem bons profissionais, mas peca pela estrutura pesada que não funciona. É como ter um carro cheio de combustível, mas avariado. As restantes televisões são um problema de saúde pública no que tange à língua portuguesa. O meu amigo Nkulu tem o hábito de dizer que a língua não é museu, mas sim dinâmica. E tem razão. Acontece, porém, que em Moçambique a dinâmica da língua está pervertida. É claro que nestas coisas de mediocridade há sempre algumas excepções… O interesse que tenho por algumas televisões no país são as previsões do estado do tempo que também pouco acertam, tudo o resto é supérfluo.
O meu foco na centelha de hoje é a Stv. E porquê? Porque era suposto ser a televisão onde a gente se vê. Não é o que acontece. Os programas da Stv nos últimos tempos privilegiam o localismo artístico-cultural e a minudência de valores. Anda por lá uma certa consciência, errada, de que Moçambique é Maputo. A generalidade dos espectáculos musicais que são transmitidos, por exemplo, é predominada por cantores naturais do Maputo ou que vivem na capital do país. Os programas têm uma única vereda: capital do país.
Não há equilíbrio algum, porque o que conta é o showbiz (indústria de entretenimento), uma expressão que surgiu para apadrinhar a mediocridade e a nudez crua dos seus mentores, vícios de carácter de que a sociedade está enfermada. Não estou contra os 'tsovas', mas que se dê a oportunidade a artistas de “outros Moçambiques” desfilarem a sua classe e assim construir-se um Moçambique plural. A paleta musical nas Festas de Natal e Fim do Ano (em publicidade na Stv) não ficaria completa sem incluir artistas como Carlos Figueira, Chandú Lacá, Tomás Guilhermino, Imamo Hagi, Massukos, Stewart Sukuma, Célio Figueiredo e Nelson de Sousa, Chenjerai, Ali Faque, Domingas e Belita, Romualdo, Didácia, Garimpeiros, Constâncio, Camal Givá, Guilhermina Pascoal, etc. Ademais, verifica-se que os convidados dos programas habitam no mesmo espaço, como se a inteligência fosse uma questão de “geografia”.
Outra ideia errada que é muitas vezes irradiada nos corredores da Stv é a de que UMA TELEVISÃO PRIVADA NÃO SE GUIA POR MORALISMO E PATRIOTISMO. Meu Deus, quanta aberração! A Stv não está instalada em “terra de ninguém”. Ela existe para servir Moçambique. Caso contrário, de nada valeria o estandarte que a norteia: isenção, rigor e profissionalismo. A conquista da independência deste país não foi construída apenas com balas, a cultura desempenhou um papel preponderante que a Stv parece querer fazer desfalecer. Os programas televisivos, por mais comerciais que sejam, devem ter um sentido patriótico. Os programas devem estar em condições de educar e fazer escolas.
Daniel David, PCA do grupo SOICO, disse no decurso do 15º aniversário daquela estação televisiva o que para mim devia ser a conduta de todas as televisões: “A unidade nacional é um dos princípios fundadores do nosso país. Todos somos importantes e podemos desempenhar um papel activo na construção do nosso país. E o papel da Televisão também passa por aí, estar perto das pessoas, levar até elas a melhor informação, o melhor entretenimento, o melhor de Moçambique.” E disse mais:
“Lançamos a Stv com o objectivo de introduzir um diferencial qualitativo no panorama televisivo nacional, pois acreditávamos que havia espaço para uma televisão privada de referência em Moçambique. Este foi um projecto construído a pensar, em primeiro lugar, nos telespectadores. Assim, apostamos na produção de conteúdos nacionais de entretenimento, introduzimos um jornalismo de vanguarda com isenção, rigor e profissionalismo e complementamos a nossa grelha com conteúdos de referência internacional. Uma característica do DNA do Grupo SOICO é a ambição, e nesse sentido, um dos objectivos era sermos líderes de audiência. Ora, o pouco tempo em que isso foi conseguido reflecte a valorização do diferencial qualitativo que introduzimos no mercado.”
Onde está o problema? Cá por mim, as televisões ganharam uma certa autonomia que não respeitam os valores e ética profissional que todos devemos ter. Ganhou poderes e acomodou-se no elitismo. As televisões não são lugares de elites, do politicamente correcto, pelo contrário, são palcos de duros combates. É assim que se fizeram grandes profissionais deste país. Sou contra aqueles que pensam que possuir o poder significa ser dono absoluto da terra e da gente que a ocupa. Criam-se aringas contra críticas com o argumento de que “se não gosta, não vê ou crie a sua própria televisão”. Um abraço nhúngue ao Matine, meu companheiro dos velhos tempos da faculdade e leitor assíduo destas minhas centelhas.
WAMPHULA FAX – 24.12.2018