A acusação é da HRW
- E ataques a aldeias continuam, mantendo a população local em estado de terror permanente
As Forças de Defesa e Segurança foram implicadas em abusos graves cometidos no combate aos insurgentes que desde Outubro de 2017 tem estado a atacar aldeias dos distritos do norte da província de Cabo Delgado, segundo denunciou ontem, a Human Rights Watch (HRW). De acordo com a organização, desde Agosto do corrente ano, as forças de segurança tem estado a levar a cabo detenções arbitrárias, maltratando e exeutando sumariamente, dezenas de indivíduos suspeitos de pertencerem aos grupos atacantes.
“É fundamental que as autoridades moçambicanas tomem imediatamente medidas para pôr termo aos abusos cometidos pelas suas forças de segurança e para punir os responsáveis”, disse Dewa Mavhinga, director da Human Rights Watch na África Austral. “A existência de abusos cometidos por insurgentes nunca justifica a violação dos direitos dos indivíduos; as forças de segurança devem proteger a população em Cabo Delgado, não abusar dos indivíduos”.
A Human Rights Watch entrevistou 12 vítimas e testemunhas de abusos, tanto em pessoa como por telefone, bem como oficiais das forças de segurança e jornalistas, entre 10 e 27 de Novembro. Muitos dos abusos relatados ocorreram no seguimento de ataques a aldeias levados a cabo por um grupo islâmico armado conhecido localmente como Al-Sunna wa Jama’a e Al-Shabab, embora não tenha qualquer ligação publicamente conhecida ao grupo somali armado com o mesmo nome. Os ataques insurgentes na província de Cabo Delgado, que começaram em Outubro de 2017, levaram a que o acesso à área ficasse restrito durante dois dias, bem como a uma resposta militar em larga escala.
Desde então, os insurgentes levaram a cabo mais de 60 ataques em cinco distritos, forçando milhares de pessoas a fugir e a deixar as suas casas para trás. O grupo tem sido responsável por assassinatos, pilhagens e fogo posto. As forças de segurança que chegam às aldeias horas depois de os ataques terem ocorrido têm detido jovens do sexo masculino e outros indivíduos que se recusam a cooperar. No incidente mais recente relatado, em 23 de Novembro, a Polícia estacionada na aldeia de Chicuaia Velha, distrito de Nangane, deteve vários residentes, a maioria dos quais eram homens que tinham optado por não fugir após o ataque.
Na noite anterior, insurgentes armados com catanas e facas tinham invadido a zona, incendiado casas e matado, pelo menos 12 pessoas, incluindo mulheres e crianças. Um alto funcionário do exército, que pediu para não ser identificado, disse que os suspeitos foram levados para uma “área de investigação temporária” em quartéis improvisados no distrito de Mocímboa da Praia. “Quem não fugiu da aldeia tem de explicar o que viu, por que é que não fugiram e se reconheceram algum dos agressores”, explicou.
“É um procedimento normal. Se a pessoa for inocente, deixamo-la ir.” Uma semana depois, estes homens ainda não foram acusados, nem apresentados a um juiz, nem sequer autorizados a entrar em contacto com os seus advogados ou familiares, o que viola a legislação moçambicana e o direito internacional.
Quatro homens descreveram como foram detidos em Agosto depois de as forças do governo terem invadido alegados campos de treino de insurgentes no distrito de Palma. Dois homens, com 26 e 32 anos, explicaram que foram detidos pelos soldados quando estavam a cortar lenha na floresta em 11 de Agosto e que foram obrigados a entrar num veículo militar. Um dos homens exigiu saber onde estavam a ser levados. Um dos soldados, que os acusou de pertencerem a um grupo armado, agrediu-o gravemente na cabeça e no estômago com uma espingarda de assalto AK47.
Os homens passaram a noite em quartéis militares na floresta com cerca de mais uma dezena de outros detidos. Na manhã seguinte, os soldados levaram-nos para a prisão de Mieze, a cerca de 20 quilómetros da capital da província, Pemba. Os dois detidos foram libertados em 16 de Agosto sem qualquer acusação formal.
No relatório, a HRW narra outras histórias de pessoas entrevistadas que terão sido seviciadas pelas Forças de Defesa e Segurança que, forçosamente, procuram por culpados dos ataques no norte de Cabo Delgado.
MEDIA FAX – 05.12.2018