As respostas ouvidas pela DW África são plausíveis, mesmo entre os que apresentam posições contrárias. Enquanto uns optam por justificações técnicas há quem traga ao de cima as desigualdades nas relações de poder.
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Algumas vozes se erguem contestando o mandado de detenção e de extradição da Justiça dos EUA contra o ex-ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang, a 29 de dezembro na África do Sul, acusado de crimes financeiros.
Elas consideram que se trata de um desrespeito da soberania moçambicana. Outros não chegam a esse ponto, mas defendem que uma demonstração de força a esse nível não deveria ser a primeira opção.
O sociólogo moçambicano Elísio Macamo é um deles: "Eu não diria que se trata exatamente de um atentado a soberania do país, embora tenha muita simpatia por esse tipo de interpretação, porque se trata de um deputado, de alguém que serviu o Governo de Moçambique durante muitos anos, com passaporte diplomático."
E Macamo justifica: "Penso que teria sido possível, pelo menos do ponto de vista formal, que as autoridades norte-americanas contactassem o nosso Estado e que, por exemplo, só depois de uma recusa do nosso Estado em entregar o cidadão é que se justificaria que ele fosse praticamente caçado e capturado fora do país."
Branqueamento de capitais & dívidas ocultas: Quem deve dirimir?
E mesmo sob o ponto de vista jurídico há perguntas que se levantam sobre legitimidades. Branqueamento de capitais é um dos crimes de que é acusado Manuel Chang. O especialista em direito penal Elísio de Sousa explica que "o crime de branqueamento não é um crime isolado, tem de ser conjugado com outros crimes porque tem a ver com a movimentação de valores provenientes da prática de um crime."
E Sousa interroga: "Onde foi praticado o crime principal? Foi eventualmente em Moçambique ou contra Moçambique. A ser assim, qualquer outro crime que tenha sido praticado por branqueamento de fundos provenientes deste crime, então continua a ser competente a jurisdição moçambicana"
E Sousa junta-se ao grupo dos que questionam a ação norte-americana e entende que há uma falta de coordenação procedimental entre os Estados Unidos da América e Moçambique.
Caso que reflete desigualdades
Para o sociólogo Elísio Macamo no fundo trata-se de uma questão de desigualdade: "O que me interessa nesta questão da soberania é o que ela mostra sobre o significado da própria soberania no mundo de hoje, porque é mais do que evidente que para um país como Moçambique que se sentisse lesado por algo que um cidadão americano tivesse feito nunca teria a capacidade e a possibilidade e nem mesmo a compreensão das autoridades americanas para agirem de forma semelhante."
E Macamo não esconde o seu descontentamento: "Portanto, há uma certa sensação de frustração e vulnerabilidade também a partir do momento em que não somos americanos. E dá me uma certa tristeza constatar que sou de um país tão vulnerável até esse ponto, independentemente do que as pessoas fizeram ou fazem ou do tipo de crimes que cometeram."
Soberania não foi beliscada
Mas há quem separe as águas com base em argumentos técnicos. O jurista moçambicano Gilberto Correia esclarece que "se os americanos fizessem um resgate com uma força de marines, que à noite viessem levar um cidadão moçambicano aí iríamos falar de soberania, [não] estava dentro da cobertura da justiça moçambicana.
É um cidadão que cometeu um crime nos EUA e tinha um processo lá e foi capturado na África do Sul, com quem os EUA tem uma cooperação de extradição. Portanto, como está em causa a soberania moçambicana neste caso?"
De qualquer forma há espaços para questionamentos profundos e complexos sobre um problema maior com que Moçambique se vem confrontado. E o professor Elísio Macamo prefere optar por esse nível análise.
"Este é um exemplo muito claro do tipo de mundo em que vivemos, extremamente desigual. Espanta-me bastante que os meus compatriotas, pelo menos os que se articulam publicamente, não tenham sensibilidade do que isto realmente significa. Não se trata apenas da detenção de um corrupto, como se costuma diz, mas trata-se de uma demonstração de força que nos coloca no nosso devido lugar", opina Macamo.
DW – 07.01.2019