A consultora Eurasia apontou ontem que a acusação norte-americana ao caso das dívidas ocultas em Moçambique vai adiar a reestruturação da dívida e fará o Governo focar-se mais nas eleições do que na credibilidade do país.
“A acusação norte-americana expôs detalhes do escândalo da dívida oculta, pelo que as autoridades em Moçambique já não conseguem conter as consequências políticas”, escreveu o director para a África subsariana da consultora Eurasia, Darias Jonker.
Numa nota enviada aos clientes, e a que a Lusa teve acesso, Jonker afirma que "estes desenvolvimentos aumentaram a vantagem política da oposição, em vésperas de umas eleições muito competitivas, em outubro", nas quais a Eurasia antevê que a Frelimo - partido no poder - vá "tentar ganhar a todo o custo".
Concentrado nas eleições, o "o Governo vai, assim, focar-se menos na recuperação da credibilidade aos olhos dos credores, o que resultará num provável adiamento da reestruturação dos títulos de dívida soberano e de um programa de assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI)", diz o analista.
Até Outubro, o foco da Frelimo estará na vitória eleitoral: "o foco vai mudar para mostrar progressos na sua própria investigação sobre o escândalo e adotar uma linha mais dura no relacionamento com a Renamo, na oposição", prevê o analista.
Também é provável, continua, que "a Frelimo continue a usar os recursos do Estado para manipular os resultados eleitorais e garantir vitória, usando os fundos do Governo para propósitos partidários, enfraquecendo a integridade da comissão eleitoral, permitindo que as forças de segurança e os cidadãos intimidem os apoiantes da oposição e interferindo com os processos de votação e de formação de coligações no dia eleitoral".
Como exemplo destas práticas, Darias Jonker diz que na semana passada a Procuradoria-Geral divulgou uma lista com 17 pessoas que estão a ser investigadas, incluindo o antigo ministro das Finanças Manuel Chang e o então diretcor dos serviços de inteligência, António Carlos do Rosário, mas "foram apenas acusados de ofensas financeiras, um crime menos grave que o apresentado pela acusação norte-americana".
Chang e Rosário, continua, "sempre foram os bodes expiatórios mais prováveis que a Frelimo ia usar para serem acusados, mas o plano era acusá-los só depois das eleições", diz a Eurasia na nota enviada aos clientes, na qual diz também que a Frelimo "ia sempre usar bodes expiatórios para proteger membros mais seniores envolvidos, que muito provavelmente incluem o antigo Presidente Armando Guebuza, mas também teria assegurado que Chang e Rosário não teriam de cumprir tempo na prisão".
A análise de Jonker, que surge no mesmo dia em que o advogado de Manuel Chang anunciou à Lusa que as autoridades moçambicanas pediram a extradição do ex-ministro para Moçambique, vinca também a probabilidade de o acordo de reestruturação da dívida soberana com os credores, prevista para o princípio deste ano, possa resvalar.
"É altamente improvável que a reestruturação dos títulos de dívida proceda ao ritmo originalmente desenhado, que levaria a proposta ao Parlamento controlado pela Frelimo algures em fevereiro ou março", diz, salientando que estes títulos de dívida soberana no valor de 727,5 milhões de dólares (638,8 milhões de euros), que resultam da reconversão das obrigações da Ematum, "são menos suscetíveis de serem declarados nulos ou 'odiosos'" por já terem sido transformados numa emissão soberana e aberta ao mercado, ou seja, pública.
"Já os dois empréstimos comerciais [622 milhões de dólares à Proindicus organizados pelo Credit Suisse e os 535 milhões de dólares à Mozambique Asset Management] parecem menos prováveis de serem anulados ou declarados 'odiosos'" mas, conclui o analista, "estes temas deverão estar a pairar na altura das eleições, o que corre contra a Frelimo, e fará Moçambique manter-se como o país africano com os maiores níveis de dívida face ao PIB".
LUSA – 18.01.2019