Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected])
Não se endireita a sombra de uma vara torta. José Pedro Machado, in: Provérbios, 2011, p. 358.
Cheguei a Beira, pela primeira vez, em 2002. Estava um tempo chuvoso. A cidade estava alagada. A rapaziada, quase sempre inconsequente nas suas atitudes, fazia dos charcos piscinas, obrigando ao redobrar de atenções dos profissionais da saúde.
Quando chove, os problemas de insalubridade acentuam e acelera a destruição do património humano e cultural da cidade. Perante esses “assados”, as autoridades locais, imbuídas pela mesma ladainha, vezes sem conta dizem que nada podem fazer porque a “cidade está muito abaixo do nível do mar”. Que desculpa esfarrapada!
Inconformado, mesmo sabendo que o meu esforço não iria para além destas linhas, aceitei o convite para visitar Amesterdão, capital e a cidade mais populosa do Reino dos Países Baixos (Holanda). Quando lá cheguei, em 2009, não encontrei pobreza extrema nem políticos demagogos. O populismo é uma palavra que não consta do dicionário dos governantes holandeses, porque eles antepõem o interesse da nação aos interesses individuais ou partidários.
Os governantes holandeses aproveitaram as características do relevo de Amesterdão, que se encontra abaixo do nível do mar, para projectar um sistema bem-sucedido de canais circulares que se interligam. Aquilo que parecia ser um “defeito de fabrico”, a geomorfologia, fez e ainda faz de Amesterdão um dos pontos nevrálgicos do turismo mundial. Construíram hidrovias que têm feito os deleites dos turistas. Cada palmo de terra em Amesterdão é aproveitada para promover actividades ligadas ao desenvolvimento socioeconómico e ambiental.
O conceito de serviços públicos não é um conjunto de compêndios de leis guardado nas prateleiras, consumidos por arranhas, como acontece frequentemente no nosso país. Não. Os dirigentes holandeses conhecem na prática o sentido da palavra servir. A prestação de contas é uma cultura enraizada na sociedade. Penso que a diferença entre uma nação rica e pobre não está na riqueza, mas sim no comprometimento que os dirigentes têm com a nação. O legado moral que as gerações actuais deixam para as futuras.
E a Beira? Qual é o aproveitamento que os dirigentes fazem do Rio Chiveve? Nenhum. Qual é o aproveitamento que os dirigentes fazem do mar? Nenhum. O meu irmão colaço Falume Chabane, que chamou de “Messias” ao edil local, gabou-se que o presidente da edilidade construiu bacias de retenção, valas de drenagem e a reabertura de Chiveve. São obras que valem o que valem, mas sem acréscimo do ponto de vista económico. A questão que não lhe coloquei pessoalmente é esta: que vantagens trouxeram para a Beira essas construções? Não pode ter hidrovias porque construiu pontes que impedem a circulação de barcos de pequeno porte. Não há turismo que resista à pobreza circundante; à podridão dos edifícios e à bandidagem que acontecem à luz do dia. As políticas de desenvolvimento da Beira estão fadadas ao insucesso, porque esqueceu-se o valor do Homem na transformação do mundo. À Beira, só me resta algumas lembranças como as de João Estima (meu ídolo), Jorge Mamade, Thazy, David Mazembe, Madala, Walter, as leituras de autores “rebeldes” como Adelino Timóteo, Heliodoro Baptista, Noé Nhantumbo, entre outras sumidades mentais.
Zicomo (obrigado) e um abraço nhúngue ao João Soares (Paito), um beirense que lê estas centelhas a partir de Maputo.
WAMPHULA FAX – 11.02.2019