Contente porque isso ajuda sempre a engordar o erário público. Tristonha, porque, devido ao tal enriquecimento das finanças públicas, muitos iriam a correr atrás dos recursos para deles tirarem benefícios de forma ilícita.
Na época, Luísa Diogo apontou o caso dos recursos naturais existentes no Niassa, onde estrangeiros extraíam pedras preciosas, para isso recorrendo aos nativos, a troco de produtos alimentares de primeira linha e a outras formas de compensação a que as comunidades não tinham fácil acesso.
E os recursos naturais que daí advinham, eram depois canalizados em países dos Grandes Lagos, numa rota que iniciava em terras moçambicanas para onde inclusive aterravam aeronaves na calada da noite ou em plena luz do dia, que a fragilidade do sistema de segurança assim permitia. Nem o facto de o governo ter passado a priorizar compras de ouro junto das populações do Niassa, ajudou em alguma coisa.
As equipas saíam de Maputo num voo da Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), com todas as mordomias, e se estabeleciam em Lichinga, a capital provincial do Niassa, à espera que os garimpeiros levassem o ouro até si, depois de percorrerem quilómetros, atravessando rios e riachos. Como se não bastasse, os garimpeiros eram levados a permanecer com o ouro à porta do gabinete onde se negoceiava a troca, acabando retornando à proveniência em virtude de a equipa não se ter feito ao Niassa.
Com o dinheirinho da troca, as populações compravam produtos manufacturados, na cidade, como açúcar, sal e sabão.
Conscientes dessa situação, os contrabandistas passaram a negociar com os garimpeiros directamente no terreno, acabando, as populações, por não mais terem de se deslocar quilómetros até Lichinga.
Parte significativa desse ouro terá ido parar no banco central de um país ‘irmão’ da vizinhança, que depois se sentiu irritado com as desconfianças de que teria adquirido ouro moçambicano junto de contrabandistas. As relações diplomáticas com o tal país, por pouco não foram postas em causa, acabando, Maputo, por ignorar as insinuações contra o país vizinho e…’irmão’. Voltando o fio à meada, Luísa Diogo foi buscar experiências de países africanos, Nigéria, para esclarecer que as comunidades em torno dos recursos naturais não devem ser menosprezadas quando do momento de se ter acesso à riqueza.
Por outro lado, importava que se desenhesse um plano de segurança suficientemente capaz de conter o ímpeto dos que possam recorrer às mais variadas artimanhas com vista ao acesso aos recursos. Ainda ela, quase quis dizer esperar que o exemplo da Nigéria não se repita em Moçambique e que os moçambicanos tinham que ser mais cautelosos.
Volvidos anos desde que Luísa Diogo, primeira-ministra, teceu tais palavras, em privado, em Cabo Delgado acontece exactamente o que ela vaticinou.
Primeiro foram as comunidades residentes nos locais onde abundam os recursos naturais aos queixumes, tendo, em resposta governamental, a mobilização da musculatura para travar o ímpeto das populações em protesto.
Como se não bastasse, as forças de defesa e segurança ao serviço de um punhado de interesseiros, obrigando as populações locais ao trabalho que se assemelha à escravatura. Hoje, de forma paulatina, as populações dos quatro distritos que têm sido alvo preferencial dos ataques em Cabo Delgado, abandonam as suas aldeias enquanto os atacantes mudam de estratégia e andam atrás do essencial, que são as multinacionais para lá mobilizadas, a troco de muito dinheiro.
Erro crasso o governo ter feito ouvidos de mercador aos primeiros sinais de rebeldia pontualmente denunciados por certas figuras da província. Hoje a tendência é correr atrás do prejuízo, jogando na defensiva.
Se tivesse sido ouvida, Luísa Diogo, por estes dias ela não estaria tão tristonha como se adivinha, pelos desenvolvimentos que acontecem em Cabo Delgado.
O discurso presidencial de que o crescimento económico não significa andar a distribuir o dinheirinho pelas populações, há muito que está em desuso, junto das comunidades próximas aos poços dos recursos naturais.
Discurso de conveniência e obvio. Discurso guebuziano recuperado pelo actual presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi.
EXPRESSO – 27.02.2019