Aos 35 anos, Celso Correia, líder da Insitec, gere o maior grupo privado de Moçambique, 5500 empregos e activos de mil milhões de dólares. Em entrevista, examina o país.
O homem que dirige o maior grupo privado de Moçambique chega já noite cerrada ao Hotel Polana, o mais emblemático de Maputo, sozinho e sem nenhum aparato. Veste de forma cuidada mas desportiva e é surpreendentemente jovem para o estatuto que alcançou: tem apenas 35 anos mas emprega mais de 5500 pessoas e gere ativos superiores a mil milhões de dólares. Talvez por isso foi eleito recentemente para o Comité Central da Frelimo, embora seja militante há 15 anos, mas afirma que não tem ambições políticas. Digo-lhe que ainda tem muitos anos pela frente mas ele lembra que, pela idade média de vida em Moçambique (44 anos), já não tem muito tempo.
Na verdade, tempo é seguramente o que Celso Correia mais precisa para gerir as múltiplas atividades em que a sua holding tem interesses. Além de ser presidente do Conselho de Administração do Grupo Insitec, que fundou em 2001 após concluir os seus estudos em Administração e Gestão de Empresas na África do Sul, é também presidente do Conselho de Administração do BCI-Banco Comercial e de Investimentos, presidente da Assembleia Geral da Hidroelétrica de Mphanda Nkuwa, membro do Conselho Nacional de Empresários e membro do Conselho de Administração da Cimentos de Moçambique.
Seguramente por causa do que alcançou, mostra confiança na capacidade dos moçambicanos para encontrarem o seu próprio futuro e desenharem o modelo que mais lhes convém para colocarem os enormes recursos naturais que existem no subsolo do país ao serviço da melhoria de vida dos seus cidadãos. Brinca com a questão da "maldição dos recursos naturais", para sublinhar que nenhum pobre fica triste por passar a ter dinheiro. E ironiza ainda mais com o representante de uma grande instituição financeira internacional que foi sugerir ao Governo moçambicano para passar a gerir o dinheiro resultante da exploração dessas riquezas naturais até o país estar em condições de saber como melhor as deve aplicar. Contesta igualmente que digam ao seu país que deve seguir o modelo da Suazilândia. "Porque não outro país de outra parte do mundo? Porque temos de seguir o modelo de um país africano? Porque não podemos ter o nosso próprio modelo? Pelo menos, deem-nos a oportunidade de errar como outros erraram!"
Celso Correia nasceu numa família humilde. A mãe ficou órfã à nascença e aos seis anos já lutava para ganhar a vida. Os pais tinham os estudos básicos e, talvez por isso, aplicaram todo o dinheiro que tinham na educação dos filhos. A mãe desenvolveu um negócio ligado à venda de computadores e é a partir daí que Celso vai desenvolver o mais importante grupo privado moçambicano.
"Em Moçambique estão a ocorrer várias transições, que têm de ser acompanhadas com cautela. Há uma transição a nível político, de uma geração de ouro, que abdicou da sua vida para lutar pela independência do país e que, pela lei da vida, irá entregar o testemunho à geração da independência. Esta geração tem marcas mas poucas memórias da agressividade que a guerra trouxe. Vive num mundo globalizado, onde as influências vêm de todo o lado. Entregar o país a esta geração é um caminho que se prevê que seja positivo", refere.
Depois, acrescenta, "há outra transição mais delicada: a transição de um país pobre para um país próspero, decorrente da descoberta de importantes recursos naturais, como o gás natural e o carvão. É uma transição que se desenvolve com expectativas muito grandes, porque a maior parte da população ainda vive em condições difíceis, precárias, e a descoberta de recursos naturais não se reflete no dia seguinte na vida das pessoas". Ora num país em que a média etária é de 26 anos, "a gestão de expectativas é muito importante".
O peso da ajuda externa
O presidente do Grupo Insitec admite que o caminho não tem sido fácil, tanto mais que durante muitos anos no pós-independência cerca de 50% dos recursos do orçamento vinham da ajuda externa. "E conquistar o nosso futuro com o que vem de fora não é fácil. Mas há certas vitórias que vamos conquistando de uma forma que os moçambicanos sentem. Por exemplo, a cultura institucional e de Estado tem-se mantido em Moçambique. Não temos dívida pública, fizemos uma reposição fantástica das infraestruturas. Na educação, há hoje 4 milhões de jovens nas escolas contra 100 mil antes da independência. E na saúde havia uma cobertura mínima do país, ao contrário do que acontece hoje".
Qual é então o segredo para a fase que o país atravessa? "Temos um plano e somos-lhe fiéis, mesmo sabendo que vai sofrer choques, bons e maus", diz Celso Correia. "O gás pode ser um choque bom. Mas o maior erro será construir a economia com base na dependência do gás, embora também não o possamos recusar".
Mas qual será o motor da economia nos próximos anos? A agricultura, como defendem alguns? O presidente da Insitec não tem dúvidas: "O condutor da economia vai ser o sector energético. É aí que o país é competitivo. O carvão é uma realidade, a produção de energia através do vento e de biocombustíveis é possível, o gás tem enormes potencialidades. E a energia tem sido o condutor da economia mundial". Quanto à agricultura, "é um sector de transição e de geração de postos de trabalho importante, mas o principal motor da economia é o sector energético", frisa.
Todos estes projetos exigem enormes investimentos. Moçambique tem capacidade para mobilizar esses recursos financeiros? "O maior desafio é atrair tanto capital para tantos projetos", concorda. "Se juntarmos todo o dinheiro que é preciso para os próximos dez anos teremos um exercício único no mundo". Celso Correia lembra que a capacidade de endividamento do país é hoje maior do que era dantes. Mas considera que é necessário criar políticas para o país estar presente nos fóruns onde se tomam as decisões.
E quem são os principais parceiros do país? "Moçambique tem o privilégio de ter bons parceiros. Aprendemos muito com eles. Os parceiros que nos entendem melhor e nos ajudam mais são os privilegiados", diz diplomaticamente. Quando se insiste, afirma não ser possível ignorar a África do Sul, "pela força da economia", porque é um grande consumidor da energia e porque absorve muita mão de obra moçambicana para as minas. As relações com Angola são boas, "mas não tem o mesmo nível das relações com a África do Sul e com Portugal". E qual é o sentimento em relação à suposta "invasão portuguesa"? Não existe nenhum problema. Regista-se um aumento do número de portugueses que vêm viver para Moçambique, mas integram-se facilmente. A capacidade de integração e de adaptação dos portugueses é enorme e não valorizam isso. Nem todo o mundo viaja tão bem como os portugueses".
Está uma noite cálida em frente à esplanada do Hotel Polana. Ouvem-se conversas ao longe e as notas de um piano. Celso Correia termina o chá verde que a empregada lhe recomendou, diz-me que espera que eu o contacte se voltar a Moçambique, despede-se afavelmente e parte, tão discretamente como chegou. O líder do maior grupo privado tem certamente um killer instinct para os negócios, mas usa palavras de veludo em sociedade. | | |
"Esta geração tem marcas, mas poucas memórias da agressividade da guerra. Vive num mundo globalizado onde as influências vêm de todo o lado. Entregar o país a esta geração é um caminho que se prevê que seja positivo".
EXPRESSO(Lisboa) – 06.05.2013