Centelha por Viriato Caetano Dias ([email protected] )
Kakudya si kan´cepa; kan´cepa n´kakubvala – A pouca comida dá para todos; o pequeno vestido é que não. (Não há desculpa para não repartir a comida com o faminto).Pe. Manuel dos Anjos Martins (Coordenação) – Natisunge Cuma Cathu, 2014, p. 34.
A minha mãe tinha-me advertido: “Meu filho, alimenta-te primeiro aqui em casa antes de partires, porque qualquer viagem é sempre carregada de peripécias. Um imprevisto, não mortal, tem menor impacto sobre nossas vidas quando estamos de barriga cheia.” Dispensei o saboroso prato de gafanhotos e uma xima de mapira acompanhada de um refrigerante sobo, adquirido no vizinho Malawi. A distância entre Zóbuè e o aeroporto de Chingodzi é de aproximadamente 111Km. A ditadura do relógio impunha celeridade, porque a hora do voo aproximava.
Já no aeroporto de Chingodzi a tradicional cultura do atraso e do silêncio ensurdecedor confirmou-se. O avião aterrou 30 minutos depois da hora prevista. A bordo do avião veio a primeira surpresa. Uma voz embargada anunciava que o voo directo TM 1136, com destino a Maputo, faria escala na cidade da Beira. Pacientemente, os passageiros compreenderam a imperiosa mudança de planos da companhia aérea de bandeira nacional de levar outros passageiros que estavam estacionados no aeroporto da Beira, no âmbito do ciclone tropical IDAI. A solidariedade, nestas alturas, é uma obrigação moral que ninguém pode dispensar.
A bordo ouvia-se o roncar de estômagos de passageiros que reclamavam de fome. Como eu, a maioria dos passageiros não tinha tomado o almoço, na esperança de o fazer a bordo do pássaro gigante da LAM. De estômago vazio, as palavras geralmente são economizadas, para não aumentar os golpes da fome. Os assistentes/comissários de bordo refugiaram-se no seu “búnquer”, com receio de dar (in)satisfações sobre o silencioso descontentamento que pairava no seio dos passageiros e que as rugas, tristemente, denunciavam. Aterrámos no aeroporto da Beira sem termos sido servidos, sequer, uma água, que é um bem-preciso essencial à vida e um direito humano reconhecido desde Julho de 2010, pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Em trânsito, no aeroporto internacional da Beira, nenhuma assistência foi dada aos passageiros. O ambiente em redor era de tristeza, porque havíamos encarnado a dor das vítimas do ciclone tropical IDAI. No entanto, o jejum forçado foi interrompido a bordo do mesmo avião, já com destino a Maputo. A “refeição” era composta por um pacote de chips de vários sabores e uma bebida à escolha do passageiro (água, refresco, cerveja, uísque, etc.). Maiweeee! Reparei para a pança de alguns passageiros, que eram do tamanho de um hipopótamo, aquele pacotinho de chips e um pequeno copo de água, era uma refeição verdadeiramente indesejada. Melhor dizendo, infernal. É curioso que os passageiros da classe executiva, cujos estômagos parecem executivos, foram alimentados de sandes e um coquetel de refrigerantes. Neste capítulo da vida, da distribuição equitativa dos nacos, a justiça divina não tem sido imparcial.
O desembarque, no aeroporto internacional de Maputo, foi feito em murmúrios. A maioria dos passageiros, recorrendo as piores palavras do vocabulário, dizia muito mal da LAM. A empresa está a perder credibilidade. Pior de tudo, por causa do monopólio que exercem em algumas rotas, o desprezo e a insensibilidade pelos passageiros pavoneiam a vaidade. É notória a falta de consideração pelos passageiros. A bordo dos aviões vão crianças, essas que são tratadas como adultas. Isto não é resiliência é falta de respeito pela vida humana. É desta forma que queremos promover o turismo? Passagem a preços exorbitantes para um serviço insuficiente e lamentável. A LAM não merece os insultos que ouvi.
Uma lição ficou nesta viagem, nunca se pode recusar a comida de uma mãe.
Zicomo (obrigado) e um abraço nhúngue aos meus colegas da UNAPROC que estão empenhados na busca e salvamento das vítimas do ciclone tropical IDAI.
WAMPHULA FAX – 01.04.2019