Especialista avisa que dados oficiais ainda não são fiáveis devido às falhas de comunicação, mas acredita na sobrecarga das barragens. "Muitas pessoas estão em risco”
Margarida Vaqueiro Lopes
Jornalista
“Os últimos números que chegaram a Maputo davam conta de que a barragem de Chicamba está a 74% da sua capacidade. Sinceramente, parece-me um número baixo”, começa por dizer à VISÃO Dinis Juízo, engenheiro civil e professor da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. “Com aquilo que têm sido as chuvas das últimas semanas, com o ciclone e com o que tem sido possível ver nas fotografias, diria que os níveis estarão acima dos 90%” afiança o engenheiro civil em entrevista telefónica desde Maputo.
Há dois dias o governo moçambicano enviou um comunicado oficial a avisar da possibilidade de a barragem de Chicamba chegar à sua capacidade máxima, e a pedir que as populações abandonassem a região e se abrigassem em zonas altas. Numa altura em que as equipas de resgate se debatem para conseguir alcançar aqueles que já foram afetados pelas cheias dos últimos dias, Dinis Juízo é perentório: “Vai ser muito complicado retirar todas as populações. As pessoas que já estão de alguma forma abrigadas estão em locais já no limite – o nível das águas está muito alto. Muitas pessoas estão em risco”.
Doutorado pela Universidade de Lund, na Suécia, Dinis Juízo é um dos hidrologistas mais respeitados do país. “Na próxima sexta-feira prevê-se uma maré muito alta. Tendo em conta o atual nível das baías dos rios Buzi e Pungue, poderá realmente haver um bloqueio hidráulico que impeça o escoamento das águas para o mar”, adianta. O especialista alerta ainda para o facto de que as descargas podem causar um alargamento da área afetada. “Mas como lhe digo, continuo à espera dos dados mais atuais que os técnicos estão a recolher no terreno”, salienta. De qualquer forma, as chuvas, ainda que em menor intensidade, não deixaram de cair no país o que está a dificultar a diminuição do nível das águas.
Informação oficial é de agravamento
Um engenheiro português que trabalha em obras públicas e que está atualmente em Tete, explicou à VISÃO que “os solos estão muito saturados devido às chuvas dos últimos tempos e a sua permeabilidade é muito pequena”, o que está também a agravar a situação. O profissional, que prefere não ser identificado, revela ainda que a informação oficial mais recente que recebeu foi a de que “a situação se vai agravar”, e que é nesse sentido que autoridades e empresas estão a trabalhar. “Olhamos todos para a Beira com pouca esperança depois desta tragédia”, lamenta.
O porto daquela cidade é a principal porta de entrada de produtos para o centro de Moçambique, para a Zâmbia, o Malawi e o Zimbabué. “Nenhuma destas economias pode esperar pela recuperação. Estamos todos a tentar encontrar alternativas, governos e particulares”, assegura. “Neste momento já haverá rotas alternativas para conseguir fazer chegar os produtos onde precisamos deles. Nós teremos que optar por Maputo ou Nacala. Mas isso acrescenta 9 000 quilómetros ao transporte…”, explica ainda. “Não há esperança nos próximos seis meses” de que a atividade económica regresse àquela cidade portuária. Até porque a Estrada Nacional 6, que é a principal via de transporte de mercadoras entre a Beira e a fronteira com o Zimbabué, ficou intransitável.
“Há muitos portugueses afetados, que vão perder pelo menos 40% do seu negócio enquanto se espera pela recuperação das infraestruturas”. A cidade tem uma significativa comunidade lusa, por ser, tal como Maputo, praticamente independente da economia nacional ao conseguir acesso ao exterior por mar. “Ninguém sabe, aliás, se o porto da Beira vai manter condições de navegabilidade. Quando à cidade, em si, não há uma infraestrutura que não tenha sido afetada”, realça ainda.
O engenheiro civil acredita, também, no cenário de necessidade de descarga das barragens a montante da Beira, e dá conta de que há pessoas a fugir para as cidades de Chimoio e Quelimane, zonas mais altas que lhes poderão garantir alguma proteção.
In http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2019-03-20-Mocambique-Abertura-das-comportas-vai-ser-uma-catastrofe