Por Filipe Ribas
Em 2005, certo jovem cometeu o crime de fogo posto, tendo por isso, sido condenado ao pagamento de trinta milhões de meticais, unidade de moeda em curso na época. Isto em Funhalouro. Perante a hecatombe, o homem fugiu do distrito, tentando encontrar refugiu algures, na expectativa de ver o tempo apagar o rasto do seu feito.
Não foi preciso tanto, porque seu tio, membro do Conselho Consultivo do recém-criado Fundo de Desenvolvimento Local, os ditos sete bilhões distritais, providenciou um financiamento suficiente para as indemnizações.
Enquanto isso, na pequena localidade de Matacalane, cuja grandeza o é pela qualidade que possuímos e feitos que protagonizamos, nós briosos filhos do lugar, o mesmo fundo viria a conhecer um tratamento de que se vai levar pouco orgulho e muita vergonha. Os emergentes líderes locais, oportunamente encaixados pelo princípio de, na falta de cão, caçar com gato, organizaram o banquete de mútuo apadrinhamento para se financiarem.
Hoje, há apenas relatos de que muito dinheiro atravessou as suas mãos e os vestígios são alguma ascensão à categoria de opinião abalizada, isto é, compraram uma posição social. Portanto, os sete bilhões nasceram para morrer ingloriamente no saque generalizado, sendo, actual e literalmente, ridículo falar de exemplos que justifiquem alguma boa recordação deste passo nacional.
Ora, os dois exemplos para aqui chamados reflectem o que somos ou podemos ser quando investidos de algum poder. Um líder comunitário ou Secretario do Bairro, Chefe das Dez casas ou coisa que o valha, é um pequeno monarca, que se sente legitimado a fazer uso arbitrário dos bens que lhe passam pelas mãos, no âmbito do conceito de autoridade enraizado nos dirigentes e dirigidos.
O sentimento de servidor público inexiste completamente, porque estar no poder significa ser dono do que o horizonte alcança. Do abnegado trabalho das ONG internacionais, o que mais se vê é o locupletamento de funcionários de todas as categorias, que vão construindo palacetes a dimensão dos seus conhecimentos e ambições.
Enquanto as ONG angariam fundos em nome da nossa pobreza e pagam espiões para devassar a vida deste país, os nacionais curam de ir roubando, na medida do descaramento pessoal, fazendo chegar míseras migalhas às populações desfavorecidas. Dançarão estas ao som do batuque, enquanto recebem um cobertor, uma enxada, um balde, cinco litros de óleo, lentilhas e arroz que já perdera a conta do tempo de armazenamento.
De acordo com a ideia corrente, bastante confortável para todos, conformista e de cultural cabritismo, os trabalhadores das ONG tem condições para uma vida faustosa, porque auferem em dólares. As pessoas esquecem, convenientemente, que o dólar, por si, não faz milagres e nem significa, de modo algum, muito dinheiro. Fosse isso, não haveria pobres nos países do dólar.
O que acontece, de facto, é que as pessoas perderam, por completo, a noção do que seja roubar, isto é, o acto despiu-se da sua imoralidade, para se converter num gesto heróico, inteligente e do saber viver. Não há prejuízos a considerar, porque desapareceu o sentido de respeito pela coisa comum. O comum, entre nós, não tem dono. Fica de quem tem acesso ou chega primeiro.
Na esteira de uma conduta de abnegado cabritismo, eis que uma embaixadora de Moçambique nos Estados Unidos roubou dinheiro do Estado. Sabido queum embaixador representa o Povo e a Nação no exterior, fica tristemente claro que somos assim pouco respeitadores de coisa pública.
Como convencer alguém de que somos pessoas sérias e honestas, quando postos em frente do poder e do dinheiro? Atentas as regalias que um embaixador tem, com todas as despesas suportadas pelo Estado, quem pode imaginar a hipótese de falcatruas tao infantis como sobrefacturações e uso de contas pessoais para gerir fundos do Estado?
Hoje, estamos a braços com as consequências nefastas do IDAI, uma ocasião em que a solidariedade internacional foi posta em movimento, a par de dotação de elevadíssimas somas pelo Governo, que definiu esta catástrofe como prioridade de luta.
Lavra, obviamente, a certeza de que esse dinheiro vai ser roubado de forma selvagem, cada um tirando ou interceptando a partir da posição em que se encontra.
Muitos funcionários e dirigentes vão aumentar o seu já vasto espólio, comprando imoveis e renovando o seu parque de viaturas. Mais tarde, poderão ser descobertos e punidos, já que tudo indica haver vontade nesse sentido. Mas a solução não é essa.
O mínimo que se deve fazer é melhorar a administração dos recursos disponíveis, reforçando o poder de fiscalização, exercício que se alcança através de uma programação rigorosa das actividades de todos os intervenientes do processo, devidamente orçamentadas e com uma prestação de contas em tempo real.
A emergência não justifica uma contabilidade atrasada, porque o contabilista não perde qualidades em tempo de cheias e nem fica atordoado por isso. No mínimo, só pode optar por participar ou não no saque.
DN – 21.03.2019