Por Major Manuel Bernardo Gondola
Eu acho Frantz Fanon, um dos maiores pensadores negros contemporâneos e que pelo qual eu tenho uma admiração muito grande. É uma admiração que nunca acabou e que pelo visto vai agora até ao final. Porque! Por causa da actualidade do Frantz Fanon, que é a questão pela qual quero começar. A questão é que a actualidade dele é algo muito impressionante e que eu acho que nós vamos compreendendo à medida que o tempo passa mesmo porque, muitas das suas obras foram feitas nas décadas de 50/60 do século passado mas ainda tem elementos extremamente pertinentes quando vamos pensar e continuam a reverberar.
O Pele Negra, Máscara Brancas tem uma história muito interessante e…, não é à-toa. Esse livro era para ter sido a tese de doutorado, doutorado em psiquiatria de Frantz Fanon mas, ele não pode apresentar porque a banca [júri] avaliou [rejeitou] como um assunto muito pesado [incomodo] um assunto que não era tão académico que era uma coisa muito pessoal de Frantz Fanon.
Mas, é interessante saber, que o texto [tese] que a Faculdade não quis virou um dos livros mais importantes sobre o debate do racismo. É um livro perfeitamente académico com uma linguagem perfeitamente difícil, não é um livro fácil de ler e…, não é fácil de ler para qualquer um que não seja da área de psiquiatria. O livro conta com alguns termos técnicos, com alguns termos, que só os psiquiatras vão ter menos dificuldades de entender. Mas, nada de um pouquinho de esforço e de vontade nós conseguimos ler Frantz Fanon sim.
E…,se eu poder recomendar um capítulo para você [s] com certeza vou recomendar o primeiro. Que é O Negro e a Linguagem onde vamos falar sobre como é que é feita a perpetuação do racismo através da nossa linguagem social mesmo, do nosso vocabulário, do que nós falamos, do que nós acreditamos e do que nós assistimos.
E o Pele Negra, Máscara Brancas é um livro que se tonou pioneiro nos estudos sobre as relações raciais e sobre as relações coloniais. Frantz Fanon vai estudar o racismo do ponto de vista objectivo e subjectivo. Vai estudar quais são as consequências do racismo tanto para o opressor [branco] quanto para o oprimido [negro].
Frantz Fanon no Pele Negra, Máscara Branca está dialogando com alguns autores [pensadores] da época; o Jean Paul Sarte, o Aimé Césaire, Leopold Senghor, que ele também está dialogando com autores de outras épocas, autores pelos quais ele foi influenciado como; o Hegel, como o Marx e o Freud.
Frantz Fanon no Pele Negra, Máscaras Brancas, ele vai discutir, vai buscar saídas para a dominação colonial. Vai buscar saídas do ponto de vista do oprimido. A descolonização vai ser um acto de emancipação política, económica das colonias e fazer ser um acto também de emancipação cultural do negro.
Nesse acto de emancipação cultural, Frantz Fanon ele vai esbarrar [colidir] na ideia da identidade negra, que estava sendo colocada na época também. Ao discutir a identidade negra, o Frantz Fanon toma determinados cuidados para que, não sejam repetidos os estereótipos [julgamentos falsos] que o colonizador criou. Ele busca afirmar uma identidade negra a partir da restituição de uma humanidade que o colono, que o colonialismo buscou negar. Lembrando, que uma das estratégias do colonialismo europeu foi reduzir o negro a estereótipos tais como; a rítmica, como a sensualidade, a musicalidade. Os estereótipos criados pelo racismo criam um complexo de inferioridade no negro.
E esse indivíduo [negro] que às vezes têm que vestir a máscara branca para poder ser aceito pelo outro [branco] só que eu estou na sociedade em que, a regra de humanidade é branca. Então, o tempo todo se eu não me porto como branco eu não vou passar no crivo ou seja, não vou conseguir ultrapassar as barreiras que sociedade impõe. Isso, significa que, toda vez que eu tento ser aceito como humano eu me deparo com a barreira da cor. Então, muitos usam a máscara branca vai ser uma estratégia de sobrevivência. Só que, isso tem consequências; tanto concretas [objectivas] quanto subjectivas e Frantz Fanon vai explorar bastante essas
consequências subjectivas embora ser humano seja razão e emoção tudo isso compõe o que é o ser humano a sociedade ocidental ela costuma segundo Frantz Fanon separar, razão e emoção como coisas distintas.
Mas, mais do que isso ao dizer o que é ser humano, a sociedade ocidental ela tende a dizer que o ser humano é a razão e a emoção coloca lá no campo da natureza como algo, que inclusive precisa ser controlada ou que ameaça a razão. E é só nós pensarmos o que é iluminismo lá o [século XVIII], quando a Europa está a discutir o que é o ser humano, já tem quase duzentos/trezentos anos de escravidão.
E, é interessante lembrar a vocês, porque no iluminismo quando os iluministas vão dizer o que é humano além de dizer de falarem deles mesmos, quando os europeus estão a falar de seres humanos, estão falando deles mesmos. Então, uma primeira questão é que, os europeus são narcisistas para o Frantz Fanon porque a definição deles de humano não é verdade porque é uma definição duma parte dos humanos no caso da Europa. Mas, ao definir essa humanidade, que não “humanidade” ele fragmenta de novo. Ele [europeu] diz que, a humanidade é razão, é civilização, é tecnologia, é cultura, é religião, é ética, é moral, é democracia, é Estado [Instituições]. Isso é, o que compõe do que é mais desenvolvido da humanidade para os europeus.
E o corpo! O corpo é algo que agente tem que dominar. Só que ao mesmo tempo à medida que o europeu define o branco [humano] como critério de humano fica uma pergunta. E…, quem não é branco? Se o branco é expressão do que é humano, quem não é branco não é tão humano assim. Para me humanizar eu [negro] preciso me embranquecer. E é agente olhar para a Escola, espera-se que a Escola adestre meu corpo o suficiente para que eu porte determinadas características que remetem a um determinado ideal de civilização.
Então, quanto mais branco mais humano de acordo com esse mito que a própria sociedade europeia cria. E Frantz Fanon faz uma pergunta no começo de Peles Negras, Máscaras Brancas.
O que é que é homem negro? Ele responde; ele quer ser humano. Mas ser humano é ser branco. Então, é branco que eu vou tentar ser por onde conseguir de todas as formas: do comportamento, a roupa, aos cabelos [vejam as nossas mulheres], ao jeito de organizar a linguagem no momento de proferir um discurso, até nas minhas escolhas afectivas sexuais.
Tem um trecho [fragmento] do Pele Negra, Máscaras Brancas que eu peço licença para ler porque, eu acho bastante indigesto [desagradável] mais, que é interessante para pensar a ideia de Frantz Fanon desse sofrimento psíquico do negro.
«Da parte mais negra da minha alma, através da zona de meias-tintas, me vem este desejo repentino de ser branco./Não quero ser reconhecido como negro, e sim como branco./ Ora e nisto há um reconhecimento que Hegel não descreveu-quem pode proporciona-lo, senão a branca? Amando-me ela me prova sou digno de um amor branco. Sou amado como um branco./Seu amor abre-me o ilustre corredor que conduz à plenitude,/. Quando a branca me ama Esposo a cultura branca, a beleza branca, a brancura branca./ Nestes seios brancos que minhas mãos omnipresentes acariciam, é da civilização branca, da dignidade branca, que me aproprio».
Então, Frantz Fanon está dizendo que tem algo que iguala a homens e mulheres negras em relação a esse tema que é a busca por esse outro é mediada pelo racismo num lugar em que o branco [europeu] é tratado como sinónimo de humanidade. Nesse caso, esse negro vai tentar ser branco o exemplo intersexual é um possível mais vai tentar ser branco em todos os aspectos: na literatura, nos hábitos em tudo o que ele poder. Só que tem um limite; embora, ele queira ser negro continua sendo visto como preto. Mesmo que ele acredite que é branco continua sendo visto como preto. Mas, você vai fazer o que está ao seu alcance e algumas pessoas vão perceber, que por mais que ela tente ser branca não vai conseguir outras não.
E tem pessoas que depois de amar muito o mundo branco vão perceber, que não são aceitos e aí vão mesmo com a mesma energia que lhes destinou esse amor ao mundo branco vai virar ódio ao mundo branco. Ela vai odiar com toda força do coração na mesma proporção, que ele amou esse mundo. Para o Frantz Fanon isso é bom! Porque, ajuda a desestabilizar a hegemonia branca.
Por outro lado, o Frantz Fanon vai chamar atenção, que nenhuma luta política se faz pelo ódio e esse ódio também impede esse movimento de perceber, que esse outro também tem coisa minha. Destarte, como branco quando ele separa e diz assim, que a agressividade, o corpo, que a barbárie não é dele é do outro [negro] ele deixa de ver suas coisas e transfere para o outro. Quando o negro passa a ter ódio do branco, ele passa a ver o branco como depositário [ignição] de todas as agressividades não percebe, que ele é também é sujeito do processo. Mas, se esse negro movido pelo ódio vai ter a tendência de não se perceber como sujeito e vai tentar explicar todos os conflitos como culpa do outro e não percebendo onde ele está errando.
Então, é necessário superar esse ódio. Para além disso, há um risco que Frantz Fanon vai alertar é; o negro aceitar essa divisão que o branco criou. O negro é emoção o branco é razão. Só que, o branco diz que a razão é superior que a emoção. É perigoso e vê isso na França dos anos 50 do século passado que os negros só inverterem, o negro continua ser emoção e o branco continua sendo razão.
E o Frantz Fanon vai confrontar esses estereótipos e vai dizer, que o negro vai muito além disso. Que o negro tem a capacidade, tem aptidão intelectual de ser o que ele quiser ser. Que o negro é um sujeito [pessoa] racional também. O negro é um sujeito que pode tanto ser um rictimista, quanto um bom médico, tanto pode ser um bom dançarino, quanto um bom sociólogo, um bom psiquiatra. E o exemplo disso; é o próprio Frantz Fanon, que era negro do mundo colonial era um negro vindo duma colonia [departamento] francesa que dialogou com toda a elite intelectual da sua época e produziu clássicos.
E uma das estratégias do colonialismo foi destituir também os povos africanos de uma história ou de uma cultura. Negar a história, uma história e uma cultura africana. E Frantz Fanon vai falar sobre a importância do negro se reescrever a sua história e sua cultura enquanto história e cultura da humanidade. O colonialismo até considerou uma história, uma cultua africana mas…, sempre sob ou a [reboque] da história e da cultura do europeu. Frantz Fanon vai falar da importância do negro escrever sua própria história. Vai a firmar o negro enquanto importador de cultura e que essa
história e essa cultura são legado [herança] para a humanidade toda também e que elas vão muito além do exotismo ao qual o europeu tentou ou ainda tenta reduzi-las.
n/b:
Lamentavelmente, Frantz Fanon, é um autor pouco conhecido e estudado em Moçambique e algo que me motiva a aceitar o desafio porque eu acho que o Frantz Fanon merece e…, as Ciências Sociais, a Filosofia e as Ciências Humanas em Moçambique merecem ter mais contacto com o Frantz Fanon. Então, é uma certa missão cívica [militância] que estou cumprindo com muito orgulho; porque, eu tenho que confessar que lendo Frantz Fanon, desde os anos 90 do século passado vejo que ele teria algumas respostas para alguns dilemas, alguns problemas da sociedade moçambicana. É um autor de grande actualidade. Realmente.
Pemba/CD, 14 de Abril 20[19]
Manuel Bernardo Gondola