Por Inês Semente
Quando um jogo está renhido, o jogador que perde uma oportunidade de marcar o golo, torna-se automaticamente o culpado pela derrota da equipe. Da jogada se tiram ilações para abordagens futuras. Mas se esse mesmo jogador lança diversas vezes a bola à trave, há que se fazer uma substituição ou no mínimo colocá-lo em treino intensivo para poder pelo menos estar em harmonia com o resto da equipe, sob pena de a colocar no fim da tabela classificava.
O jogo a que me refiro não é de futebol e nem de outro desporto que use a bola e a rede. Mas o jogo das palavras, que mal colocadas ou até mesmo ignoradas podem provocar estragos desastrosos. No início da semana foi lançado um alerta às províncias de Cabo Delgado e Nampula sobre a tempestade tropical Kenneth que está neste momento a desolar alguns distritos e cidades destas províncias.
Palavras mal usadas no alerta, deixaram pessoas ainda em zonas de perigo porque o discurso usado não foi convincente, e nem sequer se lembraram de fazer lembrar as pessoas o que acabam passar e ainda passam nossos irmãos vítimas do IDAI. Aliás, em algum momento até parece que nada aconteceu porque até 4a feira as pessoas em Cabo Delgado e Nampula continuavam a agir como se nada se passasse. No lugar de ver carrinhas com tábuas, barrotes e contraplacados para reforçarem a proteção de suas portas e janelas, desfilavam com cana-de-açúcar e areia.
As filas dos supermercados, lojas e farmácias não eram para água, enlatados, primeiros socorros e outros mantimentos de primeira necessidade, mas sim pedindo cotações para as capulanas, cervejas e buffet para o dia 1 de Maio.
O pescador entrevistado amarra a rede para mais uma ida ao mar, sem nem sequer ter amarrado a chapa de zinco da sua casa, tudo porque o jogo das palavras do jornalista que o entrevistou não foram de aviso, alerta, mas apenas questionando sobre como seria o dia daquele homem, cujo sustento está na pesca.
E vamos assim assistindo ao cenário idêntico ao da Beira de forma impávida, para amanhã termos uma dimensão do desastre e só então prestarmos atenção e chamarmos o INGC para agir. Cá por mim, retirava o G e não mais esperávamos acções e nos contentávamos com o INC.
E quando julguei poder ouvir algo mais sério da nossa representante do INGC, nada foi senão uma ida ao campo com câmeras atrás para registar o “daqui não saio, daqui ninguém me tira” do Sr Momade Ali que virou celebridade nas redes sociais. Se bem que valeu o megafone do município que lá ecoou “palavras” para persuadir a se dirigirem às zonas seguras com um “ciclone mata”.
Dentre os vários cenários que esperamos não assistir, com tristeza vimos famílias a abandonarem os locais seguros porque não tiverem nenhuma refeição e preferiram regressar a insegurança das suas casas para garantir que a necessidade básica de se alimentar fosse satisfeita.
Entretanto, o representante do INGC entrava pelos ecrãs das nossas casas informando que estava assegurada a alimentação para essas famílias. E porque sempre há um jogador que se destaca entre os demais, mesmo que pela negativa, a bola na trave de jogo é atribuída ao Sr Roque Silva que se deslocou a Palma depois de ter sido lançado o alerta e no lugar de sensibilizar aquela população e jogar bem com as palavras e o facto de ser figurante sonante e líder de opinião para uma grande parte comunidade limita-se a apelar às pessoas para se recensearem e não deixarem de exercer o seu voto.
Perdeu assim mais uma oportunidade de ficar calado desde a vez que proclamou a Divindade do Chefe de Estado e mais grave ainda perdeu oportunidade de usar da palavra para falar certo, no lugar apropriado e marcar um golo que deixaria de longe a sua equipe no topo da classificação.
Enquanto uns não aprendem o jogo das palavras, deste lado e com todo o Moçambicano, hoje as preces todas vão a esses nossos irmãos que estão sob pressão dos ventos e chuva e na esperança que os estragos sejam o mínimo possíveis, apesar de não terem merecido destaque no jornal da noite, mas lhe valeu um terceiro lugar.
WAMPHULA FAX – 26.04.2019