4ª secção do tribunal KaPfumu atenuou condenação de Nini no caso do “passaporte falso”
É sim uma verdadeira febre. É uma autêntica mania. O juiz preferiu chamar isto de “moda que enferma a administração pública”. Pior é que quando procurados e identificados para se explicarem, preferem simplesmente manter-se escondidos. O juiz disse que são chefes invisíveis e intangíveis que passam a vida a dar ordens que a administração pública as cumpre. Esta é a ideia chave deixada, na manhã desta quarta-feira, durante a leitura da sentença do caso “passaporte falso” usando por Nini Satar para sair do país em 2014, altura que estava a gozar de liberdade condicional.
Com os argumentos apresentados, o colectivo de juízes da 4ª secção do Tribunal Judicial do Distrito Municipal KaPfumu - cidade de Maputo, decidiu atenuar a pena de Nini Satar. Pelo uso de passaporte considerado falso, Nini Satar foi condenado a 1 ano de prisão, convertida em multa a taxa diária de 10 por cento de salário mínimo da Função Pública e ainda 800 Meticais de imposto de justiça.
Não tendo a acusação, representada pelo Ministério Público, conseguido provar a culpabilidade dos restantes acusados, mais nada o juiz não fez, senão ilibá-los. Assim, foram libertos e mandados em paz para as suas famílias, Sidália dos Santos, funcionária do Serviço Nacional da Migração (SENAMI), que estava em prisão preventiva, e Sahim Momed Satar, sobrinho de Nini Satar.
Outros acusados do processo também foram mandados em paz para casa, nomeadamente Julieta José Luciano, Maurício Benzane, Inocência Matsinhe, Arnalda Zefanias e Odete Mathe. Na verdade, a sentença lida indica que o Ministério Público não conseguiu apresentar, durante a sessão de produção de prova, evidências claras e objectivas da culpabilidade dos réus arrolados no processo.
O juiz Eusébio Lucas também aproveitou a ocasião para dar um “puxão de orelhas” a um Estado que, a cada dia demonstra sinais de estar a perder a essência de apresentar-se como um órgão gerido e regido por normas colegiais e devidamente estatuídas e conhecidas.
Na falta disso, o que acontece é que as instituições se estão a tornar entidades personalizadas, em que o colectivo institucional praticamente não existe, mas sim a posição de chefe que, muitas vezes prima pela emissão de pareceres verbais e manifestamente ilegais.
Esta ideia foi colocada quando o juiz tentava explicar os contornos que terão norteado a rejeição da produção do passaporte de Nini Satar quando teve direito à liberdade condicional. O facto é que tendo a liberdade condicional sido decretada pelo juiz Adérito Malhope contra a vontade da Procuradoria-Geral da República, esta terá dado ordens verbais a um dirigente do SENAMI no sentido de se negar emitir passaporte a favor de Nini. É uma ordem considerada ilegal tendo em conta que o juiz Adérito Malhope já tinha autorizado a emissão do referido documento a favor de Nini e mandado o expediente para o SENAMI.
Mas esta simplesmente rejeitou. O pior é que o SENAMI nunca justificou a razão da nega, o que no entender do juiz, é inadmissível. Para o pedido de passaporte, Nini Satar tinha como justificação, a suposta necessidade de tratamento médico no exterior, visto que, segundo se disse no tribunal, Moçambique não dispunha de condições para atender á doença de que padecia Nini Satar.
A ideia de que terá sido a ilegal falta de resposta por parte do SENAMI que terá empurrado Nini Satar a ir pela via ilícita de acesso ao documento de viagem fez com que a pena, que poderia atingir dois anos, ficasse apenas em 1 e convertida em multa. “O facto de ter sido recusada a emissão de passaporte por ele solicitado e pago, sem explicação plausível, por parte do SENAMI desde 2014 até ao dia do encerramento de discussão e julgamento destes autos (se calhar hoje já emitiram), o que demonstra inobservância da lei e comportamento susceptível de providência de intimação da entidade pública…” – anotou o juiz, iniciando a censura ao comportamento demonstrado pelo SENAMI e seus dirigentes.
Entretanto, completou o juiz, “foi essa falta de resposta em tempo útil, aliada à famosa moda que enferma a administração pública, de cumprimento de ordens verbais ilegais emanadas por superiores invisíveis ou intangíveis quando procurados para dar explicação”. Cumbane não quer recorrer Questionado no fim da leitura da sentença, um dos advogados de Nini Satar, Damião Cumbane, mostrou-se “tranquilo” com o conteúdo enunciado pelo juiz, pelo que se dependesse integralmente dele, dispensava o recurso.
Entretanto, no prazo dos cinco dias conferido pela lei, Damião Cumbane diz que ele e o seu constituinte irão discutir o assunto e consequente decisão sobre passos subsequentes. Ainda assim, é quase uma certeza a ideia de que não haverá recurso em torno do processo, até que porque, desde o princípio, Nini deixou clara a ideia de que ia assumir sozinho a culpa, “safando” todo o resto dos acusados.
Esta estratégia compreende-se perfeitamente visto que, no processo, a única pessoa que nada tem a perder é o próprio Nini Satar. Damião Cumbane aproveitou a curta conversa com jornalistas, igualmente, para aplaudir a sentença lida particularmente no que concerne ao “puxão de orelhas” dado pelo juiz em relação à forma de actuação das instituições do Estado. “Essa parte da sentença as instituições deviam aproveitar. São lições para aprender que instituição é instituição e a vontade de pessoas não está acima das instituições” – disse, referindo-se à necessidade de as ordens verbais não se sobreporem às normas institucionais.
MEDIA FAX – 06.06.2019