Por quê não são publicados os relatórios da Interpol e da CID tanzaniana, sobre o caso para que todos nós estejamos sossegados?
Lawe Laweki
Quando em 1969 morreu o Dr. Eduardo Mondlane, referência máxima da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e que estivera à frente dos destinos do movimento durante 7 anos, os militantes viveram um elevado sentimento de orfandade, tendo em conta que, no pico da revolução moçambicana, o movimento sofreu uma viragem ideológica.
Após 30 anos de guerra (colonial e civil), estamos hoje a viver em paz, com a ideia de que somos todos irmãos, apesar de termos opiniões diferentes. Chegamos a uma altura em que é possível concentrarmo-nos no desenvolvimento do nosso país. No entanto, há pessoas que persistem em minar a paz, adoptando uma postura demagógica que visa castigar, embora por meio de palavras, a chamada “linha reaccionária”, e continuar a fazer sofrer as demais entidades étnicas moçambicanas.
Até há pessoas que procuram fazer valer o seu passado de luta de libertação nacional, um passado recheado de contradições e de manchas. Neste momento de democracia e de liberdade de expressão e de informação, temos um compromisso para com a reconciliação nacional. Assim, procuraremos contar a verdade e desmentir as inverdades que saem daqueles que insistem em condicionar a história de Moçambique.
Muitas perguntas surgem entre pessoas avisadas e desejosas de conhecer a verdade. Um caso paradigmático, é a afirmação de Sérgio Vieira, em «Participei, por isso testemunho», de que no Instituto Moçambicano os estudantes pretendiam “estudar em inglês e não em português, porque era a língua dos colonialistas”.
A mesma explicação simplista é fornecida pela Sra. D. Janet Mondlane na entrevista que concedeu ao jornal “Savana” (edição de 16 de Setembro p.p.) onde é citada como tendo dito que o padre Mateus Pinho Gwenjere gritava “sobre ‘injustiças’ que nós não estávamos a ensinar em inglês...”.
Será que os estudantes moçambicanos no Instituto eram tão ingénuos que aceitavam ser manipulados ao ponto de não compreenderem que estavam a estudar para servir um Moçambique independente onde a língua que nos une é a portuguesa?
No caso do Padre Gwenjere, este homem é rotulado de anti-português/racista e agente da PIDE/DGS. Tenho-me interrogado: como é possível alguém ser anti-português e agente da PIDE/DGS ao mesmo tempo? Se Gwenjere foi anti-português, logicamente é porque detestava os portugueses e por conseguinte não poderia de forma alguma ser agente da PIDE/DGS. Por outro lado, se aceitamos que de facto foi agente da PIDE/DGS, surge uma outra pergunta: Porque é que o Padre Gwenjere, sendo agente da PIDE/DGS, instigou a expulsão da Tanzânia, de moçambicanos da origem portuguesa?
No caso da bomba que vitimou Dr. Eduardo Mondlane, o escritor Barnabé Lucas Ncomo já desmistificou com documentos e com o parecer da polícia tanzaniana o alegado papel de Urias Simango na morte de Mondlane (vd. artigo no jornal “Zambeze” entitulado «Sérgio Vieira Manipula Factos Sobre Morte de Mondlane» publicado em 19.02.2009).
Contudo, o alegado envolvimento do Padre Pollet não está ainda desmistificado. Qualquer pessoa facilmente compreenderá, mesmo os incautos, que a versão de Sérgio Vieira de que teria sido Pollet a levar para a Tanzânia a bomba que vitimou Eduardo Mondlane, não corresponde à verdade. No livro já citado, Sérgio Vieira afirma que em 1969 (ano em que morreu Eduardo Mondlane), o padre Pollet “como missionário na região de Sena, necessitava de estar em contacto com as autoridades (portuguesas) e sempre que ia a Blantyre cumprimentava o cônsul ou outro representante do consulado”. Afirma ainda Sérgio Vieira que naquele ano, Orlando Cristina entregou ao padre Pollet em Blantyre um embrulho para levar para a Tanzania e, “encontrando na fronteira de Songea, Samuel Rodrigues Dhlakama, que já conhecia, (o sacerdote) solicitou-lhe que entregasse o volume a Simango ou a Nhungu”. Prossegue Sérgio Vieira: “Se revoltado pela sua instrumentalização, se pela idade ou saúde, o padre Pollet retirou-se de Moçambique”. Escreve ainda que “De nenhum modo se pode afirmar que o padre Pollet, com quem ainda falei depois do assassinato de Mondlane, conhecesse o conteúdo e o objectivo do embrulho” (p.257-258).
Em resumo, o Padre Pollet a que Sérgio Vieira se refere, teria estado na “região de Sena” até 1969, mantinha relações amistosas com agentes da administração colonial portuguesa, levou a bomba que vitimou Mondlane para Songea, região situada ao sul de Tanzânia, falou com ele (Sérgio Vieira) depois do assassinato, e deixou Moçambique anos depois da morte de Eduardo Mondlane, por uma das seguintes três razões: estaria revoltado por ter sido instrumentalizado (ao levar o livro-bomba), teria deixado Moçambique por motivos de idade, ou, por último, teria saído por motivos de saúde.
O padre Maurício Charles Pollet que eu conheço esteve em Murraça e não na “região de Sena”. O Distrito de Caia está dividido em três postos administrativos – Caia , Murraça, e Sena. Pela “região de Sena”, estaria o Sérgio Vieira a referir-se ao posto administrativo de Sena onde o padre Pollet nunca esteve ou à região dos falantes de língua Sena que se encontram espalhados pelas quatro províncias de Moçambique – Sofala, Manica, Tete, e Zambézia?
O padre Pollet que eu conheço, deixou a Missão de Murraça em 1966, foi expulso de Moçambique e declarado persona non grata em 1967, tendo no mesmo ano regressado ao Rwanda onde em 1943 iniciou a sua vida pastoral, transferiu-se para Tanzania onde missionou entre 1968 e 1998, e morreu santamente em Namur, sul de Bélgica, no dia 12 de Abril de 2003, aos 86 anos de idade.
O Padre Pollet que eu conheço nunca manteve relações amistosas com agentes da administração colonial portuguesa. Por outro lado, duvido que tivesse aceite ser interrogado pelo Sérgio Vieira da FRELIMO, um movimento que passou a detestar tal como fazia em relação ao regime colonial português. A propósito, pergunto: considerando que, nas suas palavras, o padre Pollet permaneceu em Moçambique depois da morte de Mondlane, em que ano e aonde o Senhor SérgioVieira o interrogou? Estando em Moçambique, iria a PIDE/DGS permitir que Pollet visitasse frequentemente países independentes, como Malawi e Tanzania, para se encontrar com “terroristas” da FRELIMO? Estaremos, eu e o Sérgio Vieira, a falar do mesmo Padre Maurício Charles Pollet?
A Sérgio Vieira, que chegou a viver na Tanzânia, obviamente escapou-lhe um pormenor – não ter consultado o mapa de Tanzania antes de lançar a sua mentira sobre o envolvimento do padre Pollet na morte de Eduardo Mondlane: como é que o padre Pollet teria, a partir de Blantyre no Malawi, levado o embrulho para Songea, ao sul de Tanzania e ao norte de Moçambique, sabido que é que estava a missionar em Mbeya? Teria ido no sentido oposto para fazer o quê, tomando em conta todo o perigo que existia de ter que atravessar o Lago Niassa e o território moçambicano, onde foi declarado persona non grata, carregando uma encomenda (livro-bomba) volumosa de 800 páginas?
E iria a PIDE/DGS comprometer uma operação altamente secreta que visava decapitar a liderança de um movimento de libertação, entregando uma peça importantíssima da operação a um inimigo declarado da administração portuguesa?
A quem é que a PIDE/DGS terá feito a entrega das outras encomendas contendo outros volumes da obra de Plekhanov?
No seu artigo supracitado, Barnabé Lucas Ncomo escreve: “Em relatório ao então Secretário de Estado norte americano, datado de Abril de 1969, entre várias coisas que relata sobre os problemas na FRELIMO e a morte de Mondlane, Thomas L. Hughes afirma: ‘Parece bastante certo agora que o livro-bomba que matou Mondlane foi feita localmente e, provavelmente, introduzido localmente no sistema do correio tanzaniano’.”
E para terminar, pergunto: porquê não são publicados os relatórios da Interpol e da CID tanzaniana, sobre o caso para que todos nós estejamos sossegados?
A mentira e as contradições são tão evidentes que é de bradar aos céus.
Canal de Moçambique – 12.10.2011
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