O Estado Geral da Nação foi hoje um balanço dos Planos Económicos e Sociais dos cincos anos da presidência de Filipe Nyusi. Um autêntico arrazoado numérico de realizações em todas as áreas de intervenção do Governo. E Nyusi seguiu embevecido na sua contagem. Eram só milhares. Milhares de salas de aulas, milhares de carteiras (de uma "operação tronco" que acabou cedendo ao forte "iobby" chinês e de "nomenklaturas" locais, esfumando-se no seu propósito regenerador), milhares de kms de estradas, milhares de camas hospitalares...e uma apenas máquina de quimioterapia para um país que se estende em milhares de km. Houve também os milhões da Ministra Vitória Diogo, com suas sonantes e brilhantes estatísticas sobre o emprego. Era como se o desemprego já não fosse problema.
No ata da profusão numérica, Nyusi esqueceu-se de captar os tentáculos da crise que varre a sociedade. Os números, empolados alguns (como sempre foi com as mentirosas estatísticas de turistas que entram no país) ou não, os números de Nyusi esvaíram a alma humana, as pessoas que eles pretendem representar.
Perdido na aritmética, o Presidente não conseguiu mostrar um feito governativo estruturante dos seus primeiros cinco anos (o primeiro ciclo, na retórica oficial, de quem está predestinado a gozar um segundo cicio!!!), para além da sua coragem e entrega abnegada na busca de uma solução política no diferendo com a Renamo. Não fosse esse seu empenho e- o país teria cedido aos que na Frelimo sempre apostaram na "savimbinização" da Renamo, no descalabro férreo da guerra.
Fora isso, os cincos anos são um cortejo de remendos. Como se o país tivesse sido pendurado no estendal da incerteza, para se enxugar dele os resquícios mais tenebrosos do Guebuzismo: a maldição das "dívidas ocultas0. (Os académicos guebuzistas, como o Elísio Macamo, tentam agora vender a narrativa de que o calote foi tudo culpa dos Pearses, Boustanis e Safas, do exímio corruptor estrangeiro e ocidental, que empurrou o país para o lixo, tentando-se branquear o papel de uma elite local ávida de encaixar no gás antes mesmo dele começar a ser explorado).
A dimensão do calote prendeu Moçambique numa incógnita. Nyusi (ele sabia ou não sabia?) começou com os cofres vazios e não fosse o pacifismo dos moçambicanos, isto já tinha rebentado pelas costuras, tal a dimensão das famílias famintas deste país. E o Governo preferiu então pelo enredo numérico. Não importa a qualidade, se os números mudam de facto a nossa condição humana, se a educação melhora, e se a saúde é eficiente; importa agora um teatro com algarismos aos milhares, dando a impressão de uma governação cheia de realizações.
Os cinco anos foram uma mistura de boas intenções e alguns desastres anunciados. A gestão do calote foi caótica e não fosse a prisão de Manuel Chang, Filipe Nyusi estaria ainda também a tentar protelar a responsabilização criminal de gente "intocável", caindo na velha táctica frelimista da protecção recíproca entre as elites predadoras do poder.
Mas a tentação para se entrar por esse diapasão está sempre presente (como se viu ontem quando foi revelado que o Governo contratou uma firma legal de pé-descalço, sem página web, de reputação duvidosa, para fazer o seu expediente a favor de Chang).
A melhor boa intenção foi a da paz, que há dias estava para descambar, mas que pode concretizar-se já a partir de amanhã. Essa foi a cereja no topo de um bolo de sabor amargo. E Nyusi encerrou mesmo seu discurso amplificando essa iminência da paz definitiva. O resto é uma planície cinzenta de um balanço sem uma ideia sólida construída para o futuro, um pensamento estruturante sobre o que fazer nesse tão obsessivo segundo ciclo (já bastava o Manifesto do partidáo ser um mero alinhavar vago de palavras, sem um pensamento concreto de política pública).
E o discurso de hoje acaba como começou: a breve tentativa de uma ideia concreta (o redimensionamento da rede viária do interior, ideia que parece ter caído de para-quedas no enredo) e a esperança alimentada nos milhões do...gás do Rovuma!
CARTA – 31.07.2019