A paz pode esbarrar nas divisões da Renamo e nas eleições de outubro se não forem livres e justas
Por Sílvia Fernandes
O Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, e o líder da Renamo (principal partido da oposição), Ossufo Momade, assinaram na terça-feira o terceiro o acordo de paz no país desde a independência, culminando anos de negociações mediadas pela comunidade internacional. Acolhido com expectativa e otimismo, o documento levanta questões e divide a opinião dos analistas, que consideram que os focos de oposição interna e as eleições gerais de 15 de outubro representarão os maiores desafios.
Para António Rebelo de Sousa, presidente da SOFID (Sociedade para o Financiamento para o Desenvolvimento), que liderou o Movimento para a Paz e Democracia nos anos 80 e 90, o acordo, sendo fundamental, vai exigir que Frelimo (no poder) e Renamo resolvam as resistências internas. Moçambique precisa de demonstrar estabilidade para garantir investimento estrangeiro e estabilidade cambial.
Rebelo de Sousa realça a importância de as eleições serem justas e transparentes.
Alfredo Magumisse, porta-voz da Renamo e candidato a governador da província de Manica, no centro do país, sublinha que o partido está comprometido com o acordo, “desde que seja escrupulosamente cumprido”. Sobre um grupo de militares da Renamo que não reconhecem a presente liderança, afirma que “não representam uma ameaça ao acordo” e frisa que a eleição de Momade foi democrática e transparente, com cerca de 62% dos votos. O essencial, para o candidato, é torná-lo Presidente da República. “Não haverá ameaça à paz. Ruído e algum barulho sim, mas isso é típico de um processo de transição e crescimento.”
A posição de Andre Thomashausen é mais reservada. Conselheiro jurídico nas negociações de paz entre 1989 e 1992, depois assessor do representante permanente do secretário-geral da ONU em Moçambique até 1995, nota que “já fracassaram seis acordos e acordos interinos”, a seu ver “fruto da persistência da Frelimo em manter os esquadrões da morte e a manipulação fraudulenta em todos os atos eleitorais”.
Refere o facto de os acordos continuarem ocultos: “O acesso ao texto é recusado pelas partes, deixando adivinhar que podem ser embaraçosos”.
Isto é negativo para as partes e para os países mediadores: Suíça, EUA, UE, Reino Unido, Noruega, Botswana e China.
“Talvez fosse diferente se Portugal não tivesse sido excluído pelos seus amigos europeus”, afirma Thomashausen.
Evitar uma Somália
Explica que a Suíça deseja continuar a dar cobertura ao “papel sinistro” da fiscalização bancária helvética no escândalo das dívidas ocultas. Os outros querem acesso à enorme jazida de gás natural da bacia do Rovuma.
Sobre um dos principais pontos do acordo, o processo de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) dos militares da Renamo, Thomashausen lembra que não será fácil reintegrar esses cerca de 5300 combatentes numas forças armadas “onde os quadros regulares já vivem em grande número descalços, sem comida e com meses de atrasos nos salários, a viver em quartéis que são ruínas”.
No tocante aos contestatários a Momade, Thomashausen diz que “a esmagadora maioria dos oficiais da Renamo quer perceber o seu futuro”. A autodenominada Junta Militar da Renamo anunciou a eleição de novo líder para 17 de agosto, o que pode “transformar Moçambique numa espécie de Somália”.
Quanto às legislativas e presidenciais de outubro, critica a comunidade internacional por ter dado cobertura a fraudes no passado, exceção feita aos observadores lusos. “Portugal tem um desafio: remediar o trabalho mal acabado da EU em Moçambique”, conclui.
EXPRESSO(Lisboa) – 10.08.2019