O Significado da Democracia, Eleições, Oposição e Direito [Elementos de Autocrítica]
Por Major Manuel Bernardo Gondola
A Grécia inventou a democracia. De facto, a democracia ocidental, conhecida como democracia ocidental, sem desdouro para nenhuma outra [cultura nem civilização] a democracia é na verdade uma [invenção] ocidental. Outras culturas, regimes podem ter suas [construções] políticas semelhantes mas nada parecido com democracia ocidental, o nosso primeiro e grande exemplo é a democracia grega.
A democracia grega, que era uma espécie de [democracia escravocrata]. Na realidade, tinha escravatura na grega¹. Mas, a democracia grega era feita por [indivíduos] que tivessem a capacidade de defender a Grécia, Atenas, a sociedade e as cidades [independentes] naquela época. Então, você vê, que o conceito de democracia naquela época era [diferente] do que é hoje.
Em qualquer das cidades gregas todos os homens adultos nascidos na polis [cidade política] no qual a vida é propriamente humana eram cidadãos dotados de isonomias. Ou seja, todo o [cidadão] tinha o direito de exprimir na assembleia a sua opinião e vê-la ser discutida e votada.
Tal como a democracia, a política é também uma formidável [invenção] grega. A política nada mais é do que dominação pois subtrai aos cidadãos e aos outros Estados os meios para enfrentar as circunstâncias que do outro modo estariam sob o seu poder.
Spinoza por exemplo; julga a democracia a forma [superior] da vida social e política. Pós, diz ele no seu «Tratado Político», “somente nela os homens são livres visto que, somente nela eles são a um só tempo governante e governados porque são autores da lei que obedecem”.
De facto, nós em Moçambique estamos [acostumados] a aceitar a definição liberal da democracia. A definição liberal da democracia [concebe] a democracia como regime da lei e da ordem para garantir as liberdades individuais. As democracias liberais identificam liberdades e competição.
Essa definição liberal significa, que a liberdade se reduz a competição económica da chamada [livre] iniciativa e a competição política entre partidos políticos que disputam eleições defendendo a sociedade contra a [tirania] pois a lei garante os governos escolhidos pela vontade da maioria.
Então, a concepção liberal da democracia observa que há uma identificação entre a ordem e a potência, entre os poderes executivos, judiciário para conter os efeitos sociais, impedindo suas explicitações e seu desenvolvimento, impedimento tudo que é feito por meio da [repressão]. Do mesmo modo, a concepção liberal da democracia considera embora a democracia seja justificada um valor [bem], ela deve ser encarada como critério da eficácia. Essa eficácia deve ser medida no plano legislativo, pela acção dos [representantes] e no plano executivo pela elite de técnicos [competentes] aos quais cabe a direcção do Estado.
De facto, você vê, é uma tristeza a concepção liberal da democracia porque a democracia assim reduzida a um regime político eficaz, baseada nas ideias de uma cidadania organizada em partidos políticos e se manifesta num processo eleitoral de escolha dos representantes na rotatividade dos governantes e na solução técnica para os problemas económicos e sociais. Por outro lado, há [práticas] democráticas e nas ideias democráticas, uma profundidade e verdade muito profunda maiores e superiores ao que liberalismo percebe ou deixa de perceber. Que significam as eleições? Muito mais que a mera [rotatividade] de Governos ou [alternâncias] de poder.
As eleições simbolizam o [essencial] da democracia. Ou seja, que o poder não se identifica com os [ocupantes] do Governo, que o poder não lhes [pertence] mas sempre é um lugar vazio que periodicamente os cidadãos preenchem com representantes, podendo [revogar] os mandatos se não cumprirem o que lhes foi delegado para representar.
O que significam as ideias de situação e oposição, maioria e minoria cujas [vontades] devem ser respeitadas e garantidas pela lei? Elas vão para lá dessas aparências. Elas significam que a sociedade não é uma comunidade una e indivisa voltada para o bem comum obtido por consenso mas, ao contrário, que a sociedade está internamente dividida, que as divisões são legitimas e que devem expressar-se publicamente.
Destarte, as ideias de igualdade e liberdade como direitos civis dos cidadãos vão para lá, da sua regulamentação jurídica formal. Significam que os cidadãos são sujeitos de [direitos] e que onde tais [direitos] não existam nem estejam garantidos tem se o direito de lutar por eles e exigi-los. Destarte, a criação e conservação de [direitos] exigidos por contra poderes sociais é o cerne e o âmago da democracia.
O que é um direito? Infelizmente na nossa sociedade como em outras, direitos ainda são [confundidos] com privilégios. Um direito difere de uma [necessidade] ou de uma carência e de um interesse.
De facto, uma necessidade ou carência é [algo] particular e específico. Tomemos como exemplo; alguém pode ter necessidade de água, outro pode ter carência de comida. Um grupo social pode ter carências de transporte, um outro de centro de saúde. Ou seja, há tantas necessidades ou carências, quantos indivíduos, quantos grupos sociais. O interesse também é [algo] particular e específico, dependendo do grupo ou da classe social.
Você vê, necessidade, carências e interesses tendem a ser [conflituantes] porque exprimem as especificidades de diferentes grupos e classes sociais. Um direito porém ao contrário de necessidades, carências e interesses não é particular e especifico mas, geral e universal válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais. Ou seja, se tomarmos as [diferentes] carências e interesses veremos que sobre eles estão pressupostos direitos.
Então, dizemos que uma sociedade é [democrática] quando além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes do Estado executivo, legislativo e judicial, [respeitam a vontade] das maiorias e minorias e instituem algo muito mais profundo que é a condição do próprio regime político. Ou seja, uma sociedade é [democrática] quando institui direitos e essa instituição é uma criação social de tal maneira que a actividade [democrática] social realiza-se como um contra poder social que determina, dirige e controla e modifica a acção estatal e o poder dos governantes. Esta acção é no seu conjunto a meu ver a política.
Então, só a democracia, considera o conflito legítimo não só trabalha politicamente os conflitos entre as necessidades, carências e os interesses, ou seja, as disputas entre partidos políticos em eleições, governantes pertencentes a partidos opostos mas [procura] instituir as necessidades, carências e interesses como direitos e como tais exigem que sejam [reconhecidos e respeitados] mais do que isso.
Na sociedade democrática, e eu me apoio em Marilene Chaui, indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais, movimentos populares, classes, sindicatos, partidos criando um contra poder social que directa ou indirectamente limita o poder do Estado.
Pode-se dizer, e…, já estou terminando, que a [democracia] é a sociedade verdadeiramente histórica. Ou seja, [aberto] ao tempo, as transformações e ao mundo. Aberta à criação de novos direitos e novos contra poderes. Dito de outro modo, a sociedade democrática não está [fixada] numa forma para sempre determinada pela mesma razão, ela não [cessa] de trabalhar suas divisões, suas contradições, suas diferenças, seus conflitos e de [orientar-se] pela possibilidade objectiva de liberdade e de alterar-se graças por meio da própria praxi.
Concluindo, a sociedade [democrática] e eu me apoiamos mais uma vez em Marilene Chaui; “é aquela que não esconde suas divisões, mas a trabalha pelas instituições, pelas leis e pela praxi humana”
n/b:
¹ A escravatura na Grécia Clássica deve ser entendida, numa perspectiva diferente daquela, que viria a existir posteriormente. A instituição da escravidão na antiguidade, não foi uma forma de obter mão-de-obra barata nem instrumentos de exploração com fins de lucros mas sim a tentativa de excluir o labor das condições de vida.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo; 29 de Setembro, 20[19]