Carlos Nuno Castel-Branco, um dos moçambicanos que em 2009 começou a avisar-nos da iminência da crise económica e financeira que estamos a viver desde 2016, confessou “que não dá gosto nenhum dizer tinha razão, porque o motivo que falamos dessas coisas é para evita-las e o pior cenário era vivê-las, hoje estamos a vivê-las!”. Em entrevista ao @Verdade o economista alertou: “o pior neste momento é que quando falamos das expectativas, na campanha eleitoral já se diz que o Presidente Nyusi resolveu o problema da crise económica, já estamos a receber mais investimento, tudo está a acontecer com os mesmos princípios anteriores, então não aprendemos nada”.
“Nós começamos no IESE a tratar desta problemática da dívida muito antes destes escândalos todos, penso que o primeiro artigo que publicamos foi em 2009, muito antes de haver este problemas. O que estávamos a colocar na altura era que a maneira como a dívida estava a crescer e como o Governo se estava a comportar, dizendo existe espaço de dívida então vamos usar o máximo possível era irresponsável quer porque estava-se a recorrer a dívida para qualquer assunto”, começou por recordar Castel-Branco que é um dos fundadores do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Apelidado pelo ex-Presidente Armando Guebuza de “desgraçado, tagarela, intriguista e apóstolo da desgraça”, juntamente com outros cidadãos que criticaram as políticas e modelos de desenvolvimento implementados durante os mandatos do 3º Chefe de Estado de Moçambique, o economista recordou ter constado as implicações que o endividamento estava a ter no sistema financeiro doméstico, “o peso da dívida pública era tal que estava a torna-lo mais especulativo concentrando-o no negócio de dívida, a dimensão financeirista da economia estava a ganhar peso e isso tinha implicações com uma das dimensões da financeirização que é possível fazer dinheiro do dinheiro sem passar por uma actividade intermédia”.
“A ideia que se empresta dinheiro para comprar mercadorias que são usadas para produzir mercadorias etc neste caso já não era necessário, neste caso era comprar dinheiro e vender dinheiro o que implica que a preocupação com a produção deixe de ser central e as implicações directas para as Pequenas e Médias Empresas eram o juros subirem, o capital escassear e os bancos não teriam incentivos para baixarem os juros. Isso era observável quando olhávamos a relação entre as taxas de juro e as taxas de referência do banco central” lembrou Castel-Branco.
A pobreza era “culpa era dos pobres, da mentalidade, falta de auto-estima, estava nas nossas cabeças”
O mestre em Ciências de Desenvolvimento Económico recordou ainda que o Banco de Moçambique “estava, naquela altura a tentar seguir uma política expansionista e estava a baixar as taxas de referência na óptica de promover o desenvolvimento, mas as taxas de juro dos bancos comerciais baixavam muito lentamente e com um largo temporal, quando as taxas de referenciam subiam já os bancos reviam rapidamente. Uma das explicações eram as implicações da dívida pública, aquela dinâmica de endividamento estava a desarmar a possibilidade de uma maior interacção entre o sistema financeiro e o desenvolvimento de uma base produtiva mais alargada”.
“A economia estava muito concentrada num pequeno leque de produtos num cenário em que tens de diversificar a base produtiva, como se poderia fase isso quando nada na economia funcionava para isso e nem o sistema financeiro”, indicou Carlos Nuno Castel-Branco. O professor anotou ainda que “a outra implicação era que o Estado, através do sistema de endividamento, estava a apoiar e a promover esta enorme concentração de capital numa área muito limitada da economia que nós chamamos complexo mineral e energético, e no núcleo extractivo da economia que inclui o complexo mineral e energético mais um pequeno grupo de mercadorias agrícolas para exportação. No que diz respeito ao resto o Estado dizia libertem a iniciativa, vocês tem que ser empresários, tem que ter empreendedorismo, tem que ter criatividade etc. Mas no que respeita ao grande capital investido nas mercadorias o Estado tinha grande empenho, incluindo o seu endividamento”.
“Isto era a outra face da moeda em relação a discussão sobre a distribuição de rendimentos, no que diz respeito a pobreza a posição era que a culpa era dos pobres, da mentalidade, falta de auto-estima, a pobreza estava nas nossas cabeças. No que dizia respeito ao ricos havia um direito histórico para serem ricos, havia apoio massivo do Estado para que ficassem ainda mais ricos. Era uma obsessão de classe do Estado sobre as dinâmicas de desenvolvimento”, relembrou.
Governo da Frelimo alimenta expectivas do capital financeiro internacional através do endividamento público e da entrega dos recursos minerais
Segundo Castel-Branco no IESE “nós estávamos a observar isso muito antes de começarem a ser negociadas as dívidas ilegais e de saber que elas iriam existir, estávamos a apontar para esta questão. O que era óbvio era que o capital financeiro internacional estava muito interessado em Moçambique, mas não era porque não via os riscos mas o capital estrangeiro internacional estava protegido desses riscos em grande medida, por um lado pelo compromisso do Estado”.
“O Estado estava a dar o que lhe era pedido e por outro, na pior das hipóteses, o capital internacional ficava com o gás, portanto se o país falir eles ficam com o gás. O problema para o país é que fica sem o gás e fica com as dívidas. O que sustenta essa apetência do capital financeiro por Moçambique é a possibilidade dos recursos minerais estratégicos, é a sua expectativa sobre futuro que está a sustentar o seu engajamento pelo presente. E mais eles tem experiência, são capitalistas num mundo globalmente financeirizado e especulativo, eles sabem que se não pagarmos há os recursos minerais para por outro lado há também a possibilidade de especular com a nossa dívida”, explicou.
Castel-Branco argumentou ainda que a entrada de capital que criou a economia afunilada que Moçambique tem hoje onde 90 por cento de todo investimento privado vai para o sector extractivo e para os sectores que funcionam adjacente sendo responsável por 95 por cento das exportações, 65 por cento do PIB e empregando somente 2 por cento da população economicamente activa.
O académico entende que essa economia “é muito assente em expectativas e tem muito poucas bases reais e são essas expectativas que alimentam a expansão”.
“O Governo aposta seriamente na alimentação dessas expectivas, o endividamento público é parte disso, a entrega dos recursos à baixo custo, a entrega de infra-estrututuras são parte disse, porque esta coisa de alimentar as expectativas é importante para que as expectativas continuem a criar o interesse para o capital estrangeiro, isso é a bolha económica, é uma expansão rápida da economia que tem por base ar, neste caso podemos dizer ironicamente que tem por base gás”, esclareceu ao @Verdade.
“Não dá gozo nenhum dizer que eu tinha razão”
Carlos Nuno Castel-Branco lembrou também que em 2013 o IESE voltou a alertar sobre a bolha económica em Moçambique “é que essas bolhas são efémeras e quando mais depressa crescem, mais depressa rebentam, e quanto mais expandem mais finas ficam as paredes e rebentam. Então alertamos que estavamos a entrar na dinâmica de implosão e explosão. A explosão é quando entramos em crise e depois há uma implosão que é a contração do emprego, do investimento, etc, mas a dívida fica”.
Questionado pelo @Verdade como se sente por ter razão o professor confessou: “Esta é uma coisa daqueles que não dá gosto nenhum dizer tinha razão, porque o motivo que falamos dessas coisas é para evita-las e o pior cenário era vive-las, hoje estamos a vive-las! Não dá gozo nenhum dizer que eu tinha razão”.
“Sinto-me tão mal como qualquer cidadão moçambicano que se sente defraudado, que sente incapaz de influenciar o curso das coisas para melhorar as condições de vida. Para minimizar os problemas que temos, do ponto de vista meramente científico, é um campo enorme de pesquisa que se abre de novo. Como cidadão é uma tristeza”, lamentou Castel-Branco.
Entretanto o economista avisa novamente: “o pior neste momento é que quando falamos das expectativas, na campanha eleitoral já se diz que o Presidente Nyusi resolveu o problema da crise económica, já estamos a receber mais investimento, tudo está a acontecer com os mesmos princípios anteriores, então não aprendemos nada”.
“Para as multinacionais a nossa crise não é problema, porque na pior das hipóteses o nosso Estado não tem nenhum poder de negociação e eles conseguem tudo o que querem. E isso não é nada surpreendente, a maneira de agir do capital estrangeiro, o que é interessante é que a gente não saiba isso, eu acho que a gente sabe”, concluiu o professor.
@VERDADE - 01.10.2019