O despacho do Comando-geral leva a estampa do comandante Bernardino Rafael
Por Armando Nhantumbo e Lázaro Mabunda*
É à moçambicana. Em Outubro mataram com armas de fogo, num abominável crime de sangue que chocou o país e o mundo. Mas dois meses depois, em Dezembro do mesmo ano, foram promovidos dentro da mesma corporação que se quer, aos olhos do público, comprometida com o combate ao crime que, na prática, parece que compensa.
É o mais recente capítulo sobre a trágica história do assassinato do activista Anastácio Matavele, morto por agentes de elite da Polícia da República de Moçambique (PRM). Promessa feita, promessa cumprida. Foi o que aconteceu aos agentes que eliminaram, fisicamente, Anastácio Matavele.
Nas edições de 11 de Outubro e 1 de Novembro do ano passado, o SAVANA escreveu que os agentes da Polícia que assassinaram Anastácio Matavele não tinham recebido qualquer valor monetário pela missão, mas “apenas promessas de promoção”, caso a operação se concretizasse.
Esta decisão foi tomada no dia 19 de Setembro de 2019, durante o encontro que decidiu o destino de Anastácio Matavele, onde se encontravam os cinco agentes e os seus respectivos comandantes e mais um alto funcionário do Estado que até aqui ainda não foi identificado.
Era essa pessoa que dava senhas de combustível aos agentes para o abastecimento da viatura para o cometimento de crimes. As revelações de que não foram “dado dinheiro, mas apenas promessas de promoção” profissional foram dadas por Edson Silica e confirmadas por Euclídio Mapulasse, dois operacionais envolvidos no assassinato de Matavele, durante as audições perante o juiz de instrução e a Procuradora, Elécia Berta Bernardete Putite dos Santos.
Dois meses e 20 dias depois de concretizada a operação, três dos cinco agentes que balearam Matavele viram suas promessas concretizadas a 27 de Dezembro de 2019. Foram promovidos. Edson Silica, ora detido, a aguardar pelo julgamento, foi promovido ao cargo de Sub-Inspector da Polícia, enquanto Euclídio Mapulasse (também na cadeia) e Agapito Matavele, ainda foragido, foram elevados às categorias de sargentos da Polícia, conforme se pode atestar dos Despachos nº6412/ GCG/2019 e nº6447/GCG/2019, todos assinados a 27 de Dezembro pelo Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael.
O primeiro despacho nomeia sub-inspectores e o segundo sargentos. No primeiro despacho, Bernardino Rafael atribui “a patente de Sub-Inspector da Polícia, na Escala Média, com efeitos imediatos, aos membros da PRM abaixo indicados...”
E um desses promovidos é Edson Cassiano de Lacerda Silica, o nº5 da lista da Província de Gaza, com o código 09851485. Edson Silica era o condutor da viatura usada para assassinar Anastácio Matavele. No segundo despacho, o comandante geral da Polícia atribuiu “a patente de Sargento da Polícia, na Escala Média, com efeitos imediatos, aos membros da PRM abaixo indicados...”
Dos 15 Sargentos indicados, dois deles estão envolvidos no assassinato de Matavele, nomeadamente Agapito Alberto Matavele, nº2 da lista de Gaza, com código 12862529, e Euclídio Eugénio Mapulasse, nº7 da lista de Gaza, com código 09861562.
Foram nulos vários esforços de obter um comentário do Comando Geral da Polícia sobre este assunto. Agapito Matavele era, na operação para assassinar Anastácio Matavele, o comandante do pelotão e foi ele que deu ordens para que os seus colegas disparassem contra a vítima. Após o acidente de viação, ele conseguiu se escapulir, fugindo com duas armas de fogo que tinham sido levantadas por ele do arsenal do comando da UIR, entre os dias 19 e 25 de Setembro de 2029.
Por seu turno, Euclídio Mapulasse, também foi dos que saíram ilesos do acidente mas que viria a ser detido pela Polícia, por ordens da Segunda Esquadra, no quartel da Unidade de Intervenção Rápida, onde estava afecto. Os outros dois agentes, nomeadamente Nóbrega Chaúque e Martins Wiliamo, só não foram promovidos porque morreram no acidente, poucos minutos depois de terem assassinado Matavele.
O cumprimento das promessas, dois meses e meio depois, só vem consubstanciar a relevância da missão de eliminar fisicamente o cidadão Anastácio Matavele e a pressão de que o comandante do Pelotão, Agapito Matavele, se vinha queixando que sofria dos seus patrões, até aqui desconhecidos.
Tentativa de esconder Agapito Matavele
Há um esforço enorme para que Agapito Matavele, o comandante do pelotão da Polícia que assassinou Anastácio Matavele, não seja encontrado. Tudo indica que os mandantes do assassinato e algumas figuras da Polícia têm conhecimento sobre a sua localização.
A primeira tentativa de esconder Agapito foi do Comando Geral da Polícia que, no seu comunicado, de 8 de Outubro, um dia depois da ocorrência, reportou que “o homicídio qualificado (foi) perpetrado por cinco indivíduos, sendo quatro agentes da Polícia da República de Moçambique, afectos a subunidade de Intervenção Rápida-Gaza, em serviço no Grupo Operativo Especial e um civil, todos devidamente identificados nos autos”.
Mas, conforme provamos, o civil referido pela Polícia é, na verdade, Agapito Matavele. O SAVANA, na sua edição de 11 de Outubro, desmentiu o comunicado da Polícia e revelou que Agapito Matavele “não é um civil, é mesmo membro da Polícia, afecto a UIR”. Revelou ainda que ele encontrava escondido na cidade de Chókwè, sua terra natal.
Neste momento, contaram-nos fontes próximas à sua família, Agapito Matavele encontra-se refugiado na residência de um familiar em Tembisa, arredores de Joanesburgo, na vizinha República da África do Sul.
*colaboração
Media fax – 24.01.2020