Este figurino de governação descentralizada vai no sentido contrário ao aprofundamento da democratização e ainda no sentido contrário ao aprofundamento da própria descentralização, ou seja, ‘desdemocratizante’ e ‘recentralizador’
A organização não governamental moçambicana Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) antevê um ambiente de crispação na gestão provincial, ao abrigo do actual contexto de descentralização que começa a vigorar neste novo ciclo governativo em Moçambique. No entender do CDD, o ponto central do confl ito assenta no facto de que, à semelhança do Conselho Executivo Provincial (dirigido pelo Governador da Província), a Secretaria de Estado na Província (dirigido pelo Secretário de Estado) também aprova o programa, o plano e o respectivo orçamento, e supervisiona a sua execução.
Esta agremiação considera que isto implica que a província passa a ter dois orçamentos “tal e qual acontece com os Planos Económicos e Sociais do Distrito (PESOD), ao nível de distrito, que são uma lista de intenções sem financiamento (na verdade, na província acaba vigorando em termos de plano o que se orçamenta ao nível central), os planos dos Conselhos
Executivos Provinciais serão uma lista de intenções, sem financiamento”.
Para esta ONG dirigido por Adriano Nuvunga, isto significa que se está perante “planos e orçamentos bonitos sem dinheiro”. Este figurino de governação descentralizada vai no sentido contrário ao aprofundamento da democratização e ainda no sentido contrário ao aprofundamento da própria descentralização, ou seja, ‘desdemocratizante’ e ‘recentralizador’, refere o CDD.
Numa análise contida numa das mais recentes edições do seu boletim informativo, o CDD considera que neste processo de governação descentralizada, a ‘desdemocratização’ ocorre quando as pessoas são levadas a eleger órgãos que não têm poder real. “Em outras palavras, são órgãos que, apesar de expressarem a vontade popular e prestarem contas à população, não detêm os recursos e o poder para realizar as demandas dos eleitores. Isto significa que os Conselhos Executivos Provinciais firmaram um contrato social com os eleitores ao nível provincial, mas estão desprovidos de meios para a realização desse compromisso. Isto é desdemocratizante”.
Já a “recentralização” opera-se através do controlo, pelo Governo central, dos recursos e do poder, comenta a fonte que temos estado a citar. O boletim do CDD acrescenta ainda que apesar de aparentemente ter havido devolução do poder para o Conselho Executivo Provincial e Assembleia Provincial, os recursos mantêm-se sob controlo do Governo central.
“Os Secretários de Estado prestam contas ao Presidente da República e podem ser uns ilustres desconhecidos pela população, pois a sua existência e governação na província não depende da vontade popular”, ajunta.
O CDD enfatiza ainda que “o Governo da Frelimo já começou a dar sinais de sobrevalorização do Secretário de Estado na Província, em detrimento do Governador da Província”. Dá como evidencia desta “sobrevalorização do Secretário de Estado” uma instrução do Ministério do Interior que ordena a “afectação imediata de todo o dispositivo de segurança ao Secretário de Estado, designadamente, escolta, ADC, protecção no local de trabalho e residência, devendo manter ao Governador apenas o ADC e a protecção na residência”.
Não se percebe como é que uma figura não eleita e que de princípio deveria assumir apenas funções de representação de Estado (e não executivas) deve ter escolta, ADC e protecção no local de trabalho e na residência. Em contrapartida, a instrução do Ministério do Interior reserva ao Governador da Província, uma figura eleita por sufrágio universal, só e tão-somente o ADC e protecção na residência, comenta o CDD.
Depois de um conjunto de análises em torno da nova metodologia de gestão das províncias, o CDD afirma ser apologista de que os Secretários de Estado devem ser funcionários públicos de (no topo da) carreira, e não políticos ou empresários cooptados localmente. “Por isso, quem deve receber o Presidente da República na província é o Governador e não o Secretário de Estado, que é um funcionário público”, sugere.
Esta nova governação descentralizada provincial surgiu em resposta a uma reivindicação da RENAMO que via no projecto a possibilidade de governar algumas províncias e, consequentemente, garantir a sua sobrevivência política através da distribuição de cargos públicos às elites locais do partido.
No entanto, na sequência das eleições de 15 de Outubro de 2019, ofi cialmente, em nenhum dos círculos eleitorais a RENAMO teve maioria e consequentemente ficou sem capacidade de eleger Governador ou presidir a uma Assembleia provincial.
CORREIO DA MANHÃ – 24.01.2020