O bispo de Pemba, Luiz Fernando Lisboa, classificou ontem como "uma vergonha" a situação na província de Cabo Delgado, onde esta semana grupos armados ocuparam duas localidades perante a alegada passividade das forças de segurança.
Em menos de 48 horas, entre segunda e terça-feira, grupos armados ocuparam as sedes dos distritos de Mocímboa da Praia e de Quissanga, na província de Cabo Delgado.
De acordo com relatos, os atacantes ocuparam a vila de Mocímboa da Praia, capital distrital com cerca de 20 mil habitantes, hastearam bandeiras e depois saíram levando comida, armamento, veículos e roupas dos militares moçambicanos.
“Não houve uma reação forte das forças de segurança, das forças de defesa", disse Luiz Fernando Lisboa, num testemunho recolhido e divulgado pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).
A província de Cabo Delgado tem sido alvo de ataques de grupos armados que organizações internacionais classificam como uma ameaça terrorista e que em dois anos e meio já causaram, pelo menos, 350 mortos, além de 156.400 pessoas afetadas com perda de bens ou obrigadas a abandonar casa e terras em busca de locais seguros.
"Alguns estavam vestidos com uniformes militares. O dito reforço das forças de defesa chegou só depois de eles se terem retirado. Quer dizer: não chegou nenhum reforço. Não foram confrontados", acrescentou este responsável da Igreja Católica.
Segundo Luiz Fernando Lisboa, os atacantes "entraram e saíram à hora que quiseram”.
“Isto foi uma vergonha. É uma verdadeira vergonha para Moçambique o que está a acontecer e que a nossa população esteja a ser humilhada dessa forma", frisou.
O bispo sublinhou o sentimento de medo gerado nas populações, adiantando que o grupo deixou recado que ia voltar.
“As populações estão com medo. Se atacaram Mocímboa, que é a vila maior naquela região, Palma, Mueda e Macomia estão todas com medo. O pessoal está todo amedrontado. Já estavam antes, agora piorou", reforçou.
Sobre o hastear da bandeira negra associada aos grupos 'jihadistas', Luiz Fernando Lisboa, adiantou que lhe foi relatado que o grupo substituiu a bandeira de Moçambique pela sua.
"Não sei que bandeira é essa [...], mas que eles hastearam uma bandeira, isso fizeram”, descreveu.
O grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico (EI) tem reivindicado diversos ataques na província de Cabo Delgado, tendo chegado a assumir a morte de soldados moçambicanos na sequência de confrontos com forças governamentais.
Elementos armados com a bandeira do EI distribuíram hoje quatro fotografias na Internet em edifícios ocupados da vila de Quissanga, e o grupo reivindicou ainda, em comunicado, a invasão de Mocímboa da Praia, na segunda-feira.
As fotografias de hoje mostram um grupo que chega a 16 pessoas em pose com uniformes militares, armas de fogo e de cara tapada no comando distrital da polícia - com sinais de ter sido incendiado -, e no edifício da administração local de Quissanga.
"Os soldados do califado atacaram cinco posições de elementos do exército e polícia moçambicanos em Mocímboa da Praia", referiu o grupo 'jihadista' num comunicado, em que fez referência a dezenas de mortes e feridos e exibiu as alegadas armas apreendidas.
A Igreja Católica afirma estar a acompanhar com "natural preocupação" o evoluir desta realidade em Cabo Delgado para a qual o Bispo de Tete, Diamantino Antunes, tinha já alertado em fevereiro.
“Em Cabo Delgado a situação de facto não está fácil”, disse na altura, denunciando ataques por parte de grupos “de que não se conhece a origem nem a motivação” e que estão a criar o "pânico entre as populações”.
O Bispo de Pemba referiu ainda que “desde que começaram os primeiros ataques, já se contabilizaram cerca de cinco centenas de mortos e uma onda muito grande de pessoas que são obrigadas, por falta de segurança, a fugir e a refugiar-se, a deslocar-se, para as zonas urbanas”.
LUSA – 26.03.2020